João Moreira Salles discute memória em 'Santiago'

Documentário, que demorou anos para ser concluído, conta a história de Salles do ponto de vista do mordomo

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Por Reuters
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Para concluir seu novo documentário, Santiago, o cineasta João Moreira Salles levou 13 anos. Só no ano passado, o diretor finalmente encontrou um rumo para o filme, que estréia em São Paulo e no Rio de Janeiro e ele anuncia como o último de sua carreira. As imagens que colheu em 1993 do antigo mordomo de sua família, Santiago Badariotti Merlo (1912-1994), ficaram guardadas, enquanto o cineasta realizava outros filmes (Notícias de uma Guerra Particular, Nelson Freire e Entreatos). Para superar o desafio de terminar Santiago, o cineasta confrontou-se com os próprios erros na primeira tentativa. Erros que ele confessa abertamente, através da narração em off lida por seu irmão, Fernando Moreira Salles, como os excessos de controle que o impediram de capturar a essência do personagem. Com rara honestidade, João revela seus momentos de verdadeira tirania contra Santiago durante a filmagem. Vêem-se imagens do diretor mandando-o repetir incansavelmente algumas frases, comandando todos os seus gestos. Ainda assim, consegue mostrar o quanto era especial este mordomo argentino de origem espanhola. Homem culto e viajado, costumava rezar em latim e vestia fraque para tocar Beethoven ao piano. Nas horas vagas do serviço na mansão dos Moreira Salles, na Gávea, dedicava-se a uma obsessiva pesquisa sobre as aristocracias de todo o mundo. Poliglota, ele anotava nas seis línguas que conhecia os detalhes sobre as dinastias, como amores frustrados, assassinatos e complôs. Tudo isso entrou para um dossiê que alcançou 30.000 páginas cuidadosamente datilografadas e foi deixado em testamento para João Moreira Salles. Entre os aristocratas históricos, Santiago tinha como preferidos os Médicis de Florença, além de uma simpatia especial por Lucrécia Bórgia, que julgava injustiçada pela fama de sanguinária que a acompanha nos livros de história. Num certo momento, Santiago mostra vontade de confessar algo a João - mas ele o corta. O mistério permanecerá indecifrado. Como admite o cineasta, ele nunca foi capaz de romper a relação entre patrão e empregado que contaminou também a filmagem e impediu que se aprofundasse o retrato do ex-mordomo. O filme, afinal, reflete uma procura de identidade do próprio cineasta e nesse sentido é que a obra cresce em importância. O detalhe de que a narração é lida não pelo cineasta, mas por seu irmão, introduz uma discussão sobre verdade e mentira, realidade e encenação, que este documentário inicia e que continua no igualmente extraordinário Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho - exibido em primeira mão no Festival de Gramado 2007 e com estréia prevista para 23 de novembro. (Por Neusa Barbosa, do Cineweb)

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