Jesus pop gótico

Zola Jesus, que canta hoje em São Paulo, fala ao 'Estado' sobre a influência do mainstream em seu electro soturno

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Por Roberto Nascimento
Atualização:

O pop sombrio de Zola Jesus é um exemplo do amigável diálogo que se estabeleceu entre o underground e o mainstream na última década. Ao mesmo tempo em que sua voz tem a potência que costuma impressionar espectadores do American Idol (embora Zola não a ostente como fazem os concorrentes do programa), a cantora, que se apresenta hoje à noite no Clash Club, transita nos limites entre a canção popular e o experimentalismo, construindo espaços de fraca luz, tramando um véu de texturas imaginativas em torno de melodias que não estariam fora de lugar em um disco de Adele."O conceito de música pop é bem flexível. Não precisa ser preto no branco toda hora. Parto do princípio de que não vou alienar ninguém com a minha música, mas também não vou me reduzir e fazer algo que não me represente para ter mais sucesso", explica a cantora por e-mail, em entrevista concedida ao Estado.Esse breve manifesto é comum entre uma geração de músicos dedicados à renovação estética, que tem como ídolos estrelas do mainstream como Jay-Z e Kanye West (as parcerias de Bon Iver, ídolo independente, com Kanye são um exemplo disso). É uma mudança significante, se considerarmos que houve um tempo em que a música de FM era a encarnação do demo para qualquer músico com aspirações vanguardistas; ter sucesso comercial era sinônimo de vender a alma ao próprio."Eu amo o fato de que Alicia Keys é uma compositora impressionante, ao mesmo tempo em que toca piano e canta muito bem", escreve Zola. "Fallin e Try Sleeping With a Broken Heart são canções que serão lembradas daqui a 20 anos. Mas eu também gosto de muita coisa de 2011. Acho o disco da Britney excelente. O novo da Beyoncé é lindo também. Na última turnê a minha banda aprendeu Umbrella, da Rihanna. Tocamos a música em todas as passagens de som", explica a cantora, que cita Stockhausen e Tina Turner como modelos artísticos. A influência de Alicia está longe de ser óbvia na música de Zola Jesus, nome artístico de Nika Roza Danilova, descendente de imigrantes russos que chegou à fama nos blogs independentes em 2009, aos 20 anos. Mas a sua preferência por tonalidades menores e melodias com inflexões de soul explica o apreço pela cantora de R&B. Sua persona artística também flerta com o gótico: no elogiado EP Stridulum, o fio condutor da música é melancólico e ao mesmo tempo viril. Sua voz é projetada almejando o épico, traduzindo um esforço pela transformação em meio das sombras que se escuta em toda a sua obra, desde o primeiro disco, The Spoils, de 2009, ao mais recente Conatus, lançado em outubro do ano passado.Essa maneira grandiosa de cantar lhe rendeu comparações a Siouxie Sioux, dos Banshees, da famosa Passenger - mas também tem paralelo atual no indie pop ensolarado de Florence + The Machine. Acontece que o tamanho de sua voz (que, aliás, é inversamente proporcional à altura da cantora) é consequência de anos de estudo lírico - uma experiência que lhe deu técnica, mas também fomentou o vício do perfeccionismo. "A minha experiência com canto lírico impôs limites à minha criatividade. Me deixou mais preocupada em fazer as coisas de modo certo, em vez de fazer as coisas que eu sinto serem certas. Há uma grande diferença entre os dois", explica Zola. "Eu sinto como se soubesse o bastante para compreender os limites do que eu posso fazer com o som, mas ainda sou muito ignorante para deixar isso ditar por completo o que eu faço", complementa. O processo criativo de Zola é, como o de Alícia Keys, polivalente: a cantora escreve as letras, canta as melodias e faz todos os arranjos, o que é um esforço considerável, sendo que a identidade sonora de seus discos é distinta e trabalhada. Há canções com harmonias lúgubres e batidas esparsas, como a própria Stridulum. E faixas de electropop eficaz, como Seekir e Hikihomori, do último álbum. "Eu faço de tudo", conta. "Os beats, os arranjos, as letras. Mas gosto mesmo é dos beats", diz. Por insistir em controlar todos os aspectos da produção, sua evolução como produtora fica nítida ao observar sua trajetória. Enquanto The Spoils começou com produção lo-fi caseira, com pouco controle sonoro, Conatus mostra um foco aprimorado em fazer dance pop com as faixas mencionadas acima. "Eu aprendo coisas novas todos os dias, que fazem minhas canções soarem mais limpas, mais eficazes. Tudo o que eu faço com Zola Jesus é um esforço para aprimorar minha musicalidade", explica. Além de seu trabalho solo, Jesus tem ótima parceria com o apóstolo Rory Keane, que gerou produções mais concentradas em pop mainstream e resultaram em um híbrido interessante de tendências comerciais com intenções artísticas. "Com o Rory não penso nas coisas como com Zola Jesus. Mas é a mesma coisa. Canto sobre as mesmas coisas, com as mesmas intenções."

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