Jerusalém é a essência do judaísmo, diz André Chouraqui

O intelectual que já foi vice-prefeito de Jerusalém defende a criação de uma confederação de judeus e árabes. Por François Dufay, do Le Point

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Por Agencia Estado
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André Chouraqui é escritor, tradutor da Bíblia, do Evangelho e do Corão. Seu mais recente livro publicado foi Les Dix Commandements Aujourd´Hui (Os Dez Mandamentos Hoje), pela Editora Robert Laffont. Foi também vice-prefeito de Jerusalém. Le Point - O sr. partilha da emoção atual da comunidade judaica com os acontecimentos no Oriente Médio? André Chouraqui - Claro. Certamente o sr. esquece o tipo de lembranças que esses acontecimentos despertam em nós. Por ser muito jovem, não viveu a ocupação alemã na França e o horror desse massacre. Não podemos julgar os judeus que se apaixonam por Israel sem levar em conta aquilo que Israel significa para eles. Os judeus são os herdeiros do povo da Bíblia. Em 63 antes de Jesus Cristo, os exércitos romanos conquistaram a Judéia. De 63 a 70 depois de Cristo, segundo Tácito, o império romano martirizou 600 mil judeus. Crucificou-os, como havia crucificado Jesus, em um genocídio sistemático. Os sobreviventes foram obrigados a se exilar e proibidos de voltar para a Palestina. Esse exílio só terminou depois da Shoá (o genocídio perpetrado pelos nazistas). Tácito enumerava 600 mil judeus crucificados na Judéia. Na Europa houve 6 milhões de vítimas, 20 séculos depois. Entre essas duas datas, os judeus jamais esqueceram Jerusalém. Ela está no centro da sua espiritualidade, ela é a essência do judaísmo. O sr. está pessimista? Os acontecimentos atuais são comandados pelos políticos. Eu fui vice-prefeito de Jerusalém e sei do que falo. O povo árabe, o cristão, o judeu, todos eles estão fartos dessas disputas pela glória dos ditadores... A impressão que dá é que Arafat cavalga uma onda que ele não controla mais... Ele a dirige. Mesmo se essa onda é controlada por gente hostil a ele. Do lado israelense há também os falcões... Os falcões são simplesmente aqueles que recusam a tática do salsichão: aquela que fica "beliscando" Israel, comendo-o pelas bordas, à espera do momento de destruí-lo. Há em Israel 450 associações a favor da paz com os árabes. Tática do salsichão? É a dos islâmicos. Para eles, toda a terra do Islã deve permanecer assim para sempre. Mas, por outro lado, há também um avanço de território pelas colônias judias... São pessoas que se instalam no deserto e cultivam a terra. Incontestavelmente há um conflito. Mas que não será resolvido pela guerra. Quando o balcão de negócios da guerra tiver terminado, a paz se imporá por si mesma. Apesar dos milhões de mortos da 2.ª Guerra Mundial, Adenauer e De Gaulle chegaram ao poder e se beijaram na boca. Em que pontos Israel deveria ceder? Escrevi um texto Carta a um Amigo Árabe, traduzido no mundo inteiro, em que eu pedia que fosse criada uma confederação de judeus e árabes. Com qual estatuto para Jerusalém? Os judeus são os donos dos lugares santos judaicos, os cristãos, dos lugares santos cristãos e os muçulmanos, dos lugares santos muçulmanos. O problema são os extremistas, que recusam essa partilha. Jerusalém, onde o universo inteiro está presente, deve tornar-se a capital do mundo. Essa idéia não é apenas um desejo piedoso, uma imagem bela demais? Há uma Jerusalém celeste, partilhada por cristãos, judeus e muçulmanos, porque não foi conquistada nem por uns nem por outros. O Evangelho diz que uma cidade dividida contra ela mesma está morta. No plano terreno, não podemos dividir os serviços de água, limpeza, a administração municipal. É preciso então eleger democraticamente um prefeito de Jerusalém que, normalmente, será um árabe. Mas para compensar esse fato, será preciso criar subprefeitos de setores judeus, cristãos, muçulmanos, exatamente como há subprefeitos nos distritos parisienses. A coabitação será então possível? Judeus e muçulmanos viveram uma amizade muito mais constante e profunda que judeus e cristãos. O sr. não está sendo um tanto sonhador? O sultão protegia os judeus, mas de vez enquanto ele se aborrecia... Quando o sultão se aborrecia, ele começava por matar os seus, seus adversários árabes, e apenas depois ia atrás da riqueza dos judeus. Em 1789, um dos meus ancestrais era o ministro do sultão do Marrocos. O filho do sultão se revoltou contra seu pai e o matou. E propôs a Mardochée Chouraqui que se convertesse e assim salvasse sua vida. Meu ancestral recusou. De fato, o sultão cobiçava os seus bens. Mardochée foi enforcado e seu corpo exposto à população durante 15 dias. Quando um sultão era mau, era mau para todo mundo. Quando era bom, o que era o caso na maior parte do tempo, os judeus estavam a salvo dos horrores que conheceram na Europa.

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