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Ivan Lessa: Do livro eletrônico

Colunista conta por que prefere livro de papel a aparelhos leitores de livros digitais.

Por Ivan Lessa
Atualização:

Curioso, mas, ao que parece, o engenho não foi anglicizado no Brasil. Ainda não ouvi ninguém falando ou, melhor dizendo, escrevendo sobre o livro eletrônico. Não sei se pegou ou não por aí. Os livros-livros, aqueles de papel, já eram e continuam a ser meio novidade e não figuram, segundo consta, dos 50 itens mais populares ou vendidos no Brasil. Com a honrosa exceção de Paulo Coelho e Ivo Pitanguy, ambos membros da Academia Brasileira de Letras. O primeiro é fenômeno mundial: escreve e vende uma quantidade de livros que não está no gibi (e esses? Quando serão eletronizados?). O segundo, também é fenômeno mundial: um dos grandes cirurgiões plásticos do mundo e autor de algumas importantes obras sobre sua especialidade, sempre consultadas quando uma senhora de nossa melhor sociedade quer dar uma melhoradazinha geral na fachada. O que me interessa saber é se o pessoal que lê nossos novos e talentosos escritores de meia-idade vai à livraria, ao sebo ou à loja de informática. Aqui, nos Estados Unidos, e mundo afora, o bicho pegou e uma discussão sem o menor interesse corre solta sem ninguém que a contenha. A questão tem três lados. Os que são contra, os que são a favor e os que preferem ler o jornal distribuído grátis no metrô. O preço do tablete legível é o primeiro obstáculo. Quer dizer, é e não é. O Kindle, que é marca da popular Amazon, custa lá pelas 110 libras, ou seja, quase uns 300 reais. Pelo que leio, no computador, é leve, tem bom contraste, funciona lindamente na base do wi-fi. Mas parece que, como tudo mais, o quente mesmo, são os livros eletrônicos da Apple, do iDolatrado iSteve iJobs. Ao menos é o que todo mundo me diz. Os aplicativos, ou seja os livros, propriamente, o cerne da questão, seu busílis, são os jornais e revistas populares ou pedantes, que podem ser adquiridos e daí então acessados, por bem menos que um livro-livro. Ficam lá pelas duas ou três libras. Quem não gostou da história da digitação de livros foram os franceses, que, convenhamos, são bons em matéria de escrituras e leituras. Há uma comissão parlamentar pensando e já tomando as necessárias providências para unificar os preços da leitura cibernética. Francês é chato com essa mania de livro. Aqueles livros feitos de árvores (muitas nossas, quero crer, tsk, tsk), e não micro-isso ou nano-aquilo, também sofreram uma arejada governamental no sentido de unificar por baixo o preço dos brutos: Proust, Flaubert e Jean de la Quelque-Chose acabariam todos saindo pela mesma quantia (não repeti "preço". Os franceses acham deselegante repetir uma palavra em três linhas). Fato é que, nessa história do livro eletrônico, não importa sua marca ou raça, seu leitor de arquivos ou qualquer outro programa compatível, o que importa, digo eu, no final das contas, é se o distinto aí - o senhor mesmo, freguês - vai de livro de árvore ou livro da Amazon? (Essa não quer dar a pala de que vivem do trabalho de madeireiro ilegal ou chineses pagos a preço de banana.) Mesmo que os autores continuem faturando seus direitos autorais, no setor eletrônico, feito o Coelho e o Pitanguy, há uma opção a ser feita pelo leitor, até agora, felizmente, apenas em potencial, e não impotente. Qual é que vai ser a escolha? Dou meu palpite, que é do que vivo. Fiquemos com o book-book e não o e-book. Faça você o teste que bolei há 40 anos e recomendo para avaliar a qualidade de qualquer livro. Em primeiro lugar, abra numa página qualquer e taque o dedo numa linha. Batata. Dá um tremendo plá do livro: ou besteira ou legível. New Criticism é isso aí. Em segundo lugar, e o mais importante, abra de novo, bem no meio, e dê uma boa cafungada nele. Livro sem cheiro não é livro. Mesmo novo em folha tem que lembrar, nem que seja vagamente, uma mulher que se amou muito. Se for livro velho, comprado no sebo, tem que cheirar a pó-de-arroz, patchouli, suores antigos e à mesma mulher que se amou muito, agora num apartamento azul com o quarto iluminado só pela luz difusa de um abajur lilás. O objetivo de qualquer livro, mesmo aquele estalando de novo, pouco importa suas qualidades literárias, é esse: ficar, lá na estante, fazendo companhia à gente, ao lado de seus velhos amigos, outros livros, com eles conversando e lembrando, em silêncio, amores passados. Todos prontos para conosco relembrarmos tudo, comovidos como o quê. Experimente fazer isso com um livro eletrônico. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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