Ivan Lessa: A marcha implacável do sexo

Colunista comenta publicações sobre erotismo e masturbação.

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Por Ivan Lessa
Atualização:

Eu estou feito aquele garoto da velha piada: não consigo parar de pensar em sexo. Para ser mais claro, não consigo mais parar de ler sobre sexo. Sem segundas intenções. Leitura platônica apenas. Também não entrei em sítio cibernético proibitivo. Tenho medo de lá pegar vírus, como na rua Conde Lage se pegava uma... Mas deixa isso para lá. Influência do que se passa diante de meus olhos. E falo em termos apenas de texto. Começo com tecnologia mais antiga, livro. Estou lendo um esplêndido estudo da professora Mary del Priore sobre a sexualidade e o erotismo na história do Brasil, que é, aliás, o subtítulo de Histórias Íntimas, um dos mais de 20 livros da mestra sobre nossos ardores, suores e olores, nossas coisas e graças, e não tão engraçadas assim. Como o garoto da mesma piada, eu não tinha ideia do ponto em que, entre nós, a sacanagem começou complicada, virou hipocrisia e veio a dar nisso que estamos vendo, e vendo até demais, por aí. Como se barateou o sexo em nossos dias, hem? Talvez fosse mais divertido e mais barato com seus odores e pundonores do que com as mulheres-frutas-do-conde (deve haver uma) que se exibem por aí. De qualquer forma, admito, com esta minha idade, este coração e estes meus pulmões, tendo recebido cartão vermelho nos embates de Eros, vou lembrando ou aprendendo para valer, sem mágoa ou saudade, daquilo que já quase me ia esquecendo. Seja como for, sou grato à professora e ao livro. Bom saber que a humanidade é mesmo, principalmente, nas artes de cupido, de uma estupidez imbatível. Daí na internet folheio nossos jornais, que mais que isso seria exagero. Acompanho o Brasil no melhor package tour do mundo: o informático, onde tudo é cartão postal, berro ou inanidade. Não entendo porque se queixam de nossa imprensa. Está tudo lá, sem entrelinhas. E até o patético, das telenovelas aos homens públicos (sem esquecer das muitas mulheres públicas também) podem ser facilmente encontrados no YouTube, onde estou sempre mexendo, como o garoto da piada, agora garotão, se dirigindo para uma mulher-melancia e mandando um galanteio digno de registro pela professora Mary del Priore num de seus excelentes trabalhos: "Foi isso que o médico me receitou 3 vezes por dia", ou "Isso é mulher para 200 talheres". E nessa "folia-ação" (permitam-me neologizar um tico) foi que tomei conhecimento do livro editado pela editora Taschen supostamente destinado a quebrar um tabu. São 200 fotografias de 37 mulheres no momento do orgasmo. La Petite Mort (A Pequena Morte, em tradução sem gozação). O autor das imagens é William Santillo. Que é canadense. O que explica um pouco do fenômeno voyeurístico. O Canadá é um país que serve de objeto de chacota para americanos, islandeses, e até mesmo canadenses, que são meio abilolados. A debochada série animada South Park não perde oportunidade para gozar os canadenses. Dela e com ela, os canadenses morrem de rir e, ao contrário de muitos paises (Estados Unidos, por exemplo), passam sem censura. Voltando ao Santillo, ele diz, na promoção do livro, que a masturbação é um ato, além de mais intenso, muito mais íntimo do que o ato sexual. Além de marcar uma boa presença nas caixas registradoras, confere, companheiro? Então tá bom. South Park vai pegar o senhor, "seu" Santillo. Guentaí. Depois, acrônimo acoplando acrônimo, DSK e seu DNA, e mais não digo, que o assunto é fogo e pau puro. Daí vem aquela do questionário distribuído na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) destinado a ajudar no diagnóstico de uma disfunção sexual nos pacientes. Cá entre nós, não seria melhor o questionário vir na fórmula de diálogo entre psiquiatra e "disfuncionário"? O esquema leva o nome de Projeto Sexualidade e são 10 perguntas sobre interesses, desejos, satisfações, preliminares, excitações, "pequenas mortes" e dor de cabeça na hora da relação (desculpa esfarrapada, Dona Faculdade de Medicina. Mais velha que a piada do garoto que só pensava em sexo). Nisso é que dá a falta do que fazer, como disse a mãe do menino em questão (legítimo personagem - Cartman? - de um South Park nativo, na minha opinião). Por fim, já que este é o assunto em pauta no meio de um "Parque do Sul" cabeludo, que besteira de projeto é esse que prevê punição para a discriminação de homossexuais? Já há legislação que cobre mais do suficiente a questão da discriminação anti-gay em nosso Código Civil. No projeto, um artigo lá diz que se um casal homossexual estiver em sua festa, numa igreja ou escola etc, e começar a "manifestar afetividade" (como e de que maneira? Medir com que régua? Vale canadense fotografar?) e você restringir tal prática estará cometendo um crime. O resto do projeto anda circulando aos beijos e abraços pela net e é besteira após besteira, Eu prefiro ir aos devidos sítios e fazer passar os filmezinhos com gols ou gente fazendo discurso. Saio de uma piada e entro noutra, mais divertida do que, para dar um exemplo, modelo demonstrando afetividade para consigo própria diante de lentes canadenses. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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