PUBLICIDADE

Ivan Lessa: A Lei No. 259

Colunista comenta a lei que tinha tudo para dar certo, e deu, e é a cara do Brasil.

Por Ivan Lessa
Atualização:

Outro dia, andei aqui mais uma vez chupando o picolé da saudade quando desconstruí epistemologicamente a nova lei que obriga o Hino Nacional a ser cantado nos colégios municipais do Rio de Janeiro. Desinteressado de uma Londres excessivamente multicultural e globalizada para meu gosto provinciano, estou sempre voltado para o quinhão que me coube desse imenso Brasil. Parafraseando o grande Paulinho da Viola, foi um Rio em que passei minha vida. Viro, mexo, navego e, volta e meia, quando me dou conta, estou googlando "rio antigo" ou conferindo os sites (eu prefiro escrever e dizer sítios) especializados nessa modalidade e que, em minha coleção de arquivos, já enchem oito gordos arquivos repletos e batizados de, claro, Rio Antigo, 1, 2, 3 etc. Lá estão fotos de bondes, ruas, anônimos nas praias e em todos lugares, carrocinha da Kibon, tudo isso que o bom entendedor conhece e saboreia. Se lembrando ou não. Reclames também ganharam vários arquivos. De tudo. Eletrodomésticos, remédios, lojas, cartazes de filmes. O que um dia constituiu trivial ligeiro e hoje é prato requintado, fina especiaria. Bobagem, por definição, faz parte obrigatória de qualquer esforço de rememoração. Viver é enfileirar bobagens. Por falar em bobagem e obrigatoriedade: faço questão de publicar aqui, ipsis litteris, o documento que uma alma generosa, possivelmente marcada pelas mesmas agridoçuras que me motivam as braçadas internéticas, teve a gentileza de colocar à disposição dos internautas. Muito simples. O texto integral de uma lei. Vamos lá verificar como nós, os de ontem, somos os mesmos de hoje. *** Lei No. 259, de 1 de outubro de 1936 Torna obrigatório, em todo o país, nos estabelecimentos de ensino e associações de fins educativos, o canto do Hino Nacional O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil. - Faço saber que o poder legislativo decreta e eu sanciono a seguinte lei: Art. 1º. Fica obrigatório, em todo o país, nos estabelecimentos de ensino, mantidos ou não pelos poderes públicos, e nas associações de fins educativos e outros, constantes desta lei, o canto do Hino Nacional, de Francisco Manoel da Silva, com a letra de Joaquim Osório Duque Estrada, oficializado pelo decreto no. 15.671, de 6 de setembro de 1922, do Governo da República. Parágrafo único. A obrigatoriedade, estabelecida neste artigo, refere-se aos estabelecimentos de ensino primário, normal, secundário e técnico-profissional e às associações desportivas, de radiodifusão e outras de finalidade educativas. Art. 2º. Ficam adaptadas, para a execução do Hino Nacional, de Francisco Manoel da Silva, a orquestração de Leopoldo Miguez e a instrumentação, para bandas, do 2º. Tenente Antonio Pinto Júnior, do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, no tom original de si bemol; E para canto, em fá, trabalho de Alberto Nepomuceno. Art. 3º. A instituição que, previamente intimida, deixar de cumprir as determinações desta lei, terá proibido o seu funcionamento pela autoridade competente. Art. 4º. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação. Art. 5º. Revogam-se as disposições em contrário.Rio de janeiro, 1 de outubro de 1936 *** Direitinho nossa cara, nossas vozes, nossas disposições. Tinha tudo para dar certo, como deu. Só que, neste 2009, em mi bemol? BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.