Ivan Lessa: A invasão do Iraque (parte 2)

Colunista comenta as investigações de uma comissão britânica sobre a conduta do governo de Tony Blair em relação à guerra do Iraque.

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Por Ivan Lessa
Atualização:

Estão mostrando aqui há algum tempo, e por mais tempo ainda mostrarão, ao vivo e em tempo real (não confundir com o irreal) os trabalhos de uma comissão, a Chilcot, destinada a apurar o como, quando e porquê da participação do Reino Unido, em 2003, na festança malévola que foi a decisão de seguir a trilha de terror aberta pelos Estados Unidos no Iraque. Os britânicos podem ser submissos, mas insistem em apurar as causas da serventia, suas antecedências e protocolos, informáticos ou não. A comissão, às vezes - repetindo: às vezes - vai quase fundo e quase bate duro, sempre à inglesa, nas perguntas feitas aos figuraços. Muita gente boa, ou má, andou sendo cortesmente questionada. Nesta semana que passou, foi a vez de Alistair Campbell, assessor e braço direito de Tony Blair. Campbell ficou conhecido pelos maus bofes, pela sua rudeza com a imprensa, pelo seu vocabulário grossíssimo. Virou até, com poucos disfarces, personagem principal de uma série de sátira política de televisão, The Thick of It, da BBC. Mais nomes importantes já estão convidados a prestar maiores esclarecimentos, conforme diria um membro da própria comissão. Para antes de maio, de preferência, mês de eleições gerais aqui, contam com a presença do atual primeiro-ministro, Gordon Brown. Vem aí também o atual ministro da Justiça, Jack Straw e, em breve, questão de semanas, em meio a grande expectativa, ele, o homem, aquele a quem George W. Bush faz festinha na cabeça, Anthony ("chamem-me Tony") Blair. Desconfiem de todo Anthony que se diz Tony. De certo modo, a coisa me parece as últimas páginas de um romance de Hercule Poirot, da Agatha Christie, quando o pequeno belga reúne todos os suspeitos num aposento e, munido apenas de suas pequenas células cinzentas, vai recompondo a história toda até apontar para o único verdadeiro culpado. Com uma diferença importante: no caso da comissão de inquérito são todos culpados. E é gostoso vê-los na televisão de tarde, na íntegra, a se desmilinguir e se contorcer diante dos telespectadores que conhecem essas manhas. Enganam aqui, driblam ali, fintar mais adiante, ofuscam acolá, valendo-se, em suma, de todos os recursos que os ajudaram a fazer carreira na vida política. Quando negam esbarram naquilo que os ingleses não perdoam: o gol de Deus, ou seja, aquele que Maradona fez com a mão e chutou fora da Copa a seleção inglesa. Gol gostoso, pra mim, é assim. Aquele que o baixinho argentino fez logo depois, os ingleses chamam de Gol do Século. Para mim, torcedor matreiro, é não mais que uma série de dribles e o estufar a rede do adversário. Um lendário escritor e jornalista inglês radical, Claud Cockburn (pronuncia-se Col-burn), é o autor de uma frase que me vem sempre à mente numa hora dessas, não importa o país em que eu esteja. Disse ele, "Nunca acredite em nada que não tenha sido negado oficialmente". Faça você o teste aí, onde quer que esteja. É batatolina. Vamos a Tony Blair. Sim, eu sei, é chato. A venalidade, em casos extremos, como essa do homem que um dia se disse "socialista", pega, mas vale a pena dar uma chegada às suas andanças. E como o homem anda. Depois de finalmente se confessar católico, o que todo mundo sabia em todos os seus anos de primeira-ministragem, seguiu o rumo apontado por seu amigo e mentor, George W. Bush: seguiu carreira e fez fortuna na base do velho conto do vigário do circuito de palestras e conferências. Malandragem de alta rentabilidade manjada por todos os ex- da vida política. Ele e a senhora sua esposa, Cherie, advogada, ou barrister, que é mais importante, faturam alto. Talvez ela mais legitimamente do que ele. Fato é que o casal tem mansões magníficas em Londres, palacetes no norte do país (ah, o norte, sempre e em toda parte o norte!) e só Deus sabe mais o que. Ambos acumularam uma fortuna de fazer inveja a deputado ou senador brasileiro. A última de Blair é que agora ele passou a vender bolsas e bolsinhas. A preços extorsivos. Encontra-se o distinto na etapa final das negociações com o grupo Louis Vuitton Moët Hennessey, que é uma grife geral corporativa para milionário babar em cima. Só uma caixinha para cachorro da Louis Vuitton custa perto de US$ 2 mil. Imagine o quanto sairá a caixinha, ou caixão para gente que volta do Iraque e do Afeganistão na horizontal. Isso aí. Vive-se, morre-se. Despeço-me, já que hoje me baixou o santo citador, com outra citação, essa mais conhecida, mas sempre empregada ou de forma errada ou pela metade. É aquela de lorde Acton, escrita em carta de 1887, em que ele diz que "O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe de forma absoluta." E o rabicho que todo mundo esquece, "Os grandes homens em geral são maus (bad) homens." Embora, francamente, não vejo nada de grande nem em George W. Bush nem em Tony Blair. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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