Itaú homenageia Radamés Gnatalli

Personalidade fundamental da música brasileira, arranjador, professor, fixador de linguagens. O choro não seria como é e não teria os instrumentistas formidáveis que tem se não fosse ele

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Por Agencia Estado
Atualização:

Personalidade fundamental para que se entenda a música brasileira a partir da segunda metade do século passado, Radamés Gnatalli recebe, neste fim de semana, uma rara - tanto mais bem-vinda por esse motivo - homenagem, no Itaú Cultural. Será abordada sua produção erudita e popular, executada por gente que, em sua maioria, teve contato direto com ele - ou que registra, como registram as gerações de músicos que vieram depois dele, sua influência. No programa de amanhã, estão o Quinteto Villa-Lobos e os pianistas Maria José Carrasqueira e Laércio de Freitas. No de sábado, o Novo Quinteto - que replica o histórico Quinteto Radamés, criado no início dos anos 1950 - e a cantora Mônica Salmaso. No de domingo, o bandolinista Joel Nascimento, a Academia de Cordas e o Conjunto de Choro, formado por formandos de Radamés - os irmãos Henrique (cavaquinho) e Beto (percussão) Cazes e o violonista de sete cordas Luiz Otávio Braga. A curadoria do projeto é de Roberto Gnatalli, compositor arranjador e regente, diretor artístico e pedagógico do Conservatório de Música Popular Brasileira do Paraná, sobrinho de Radamés e criador da Orquestra de Música Brasileira do Rio de Janeiro. As formações darão conta de outras importâncias de Radamés: a de arranjador, de professor, de fixador de linguagens - o choro, tal como o conhecemos e admiramos hoje, não seria como é e não teria os instrumentistas formidáveis que tem se não fosse ele. Não seriam - é provável que não fossem - como são os irmãos Cazes, o pianista Laércio de Freitas (que participou do original Sexteto Radamés), o Quinteto Villa-Lobos e outras personalidades que não estão no programa: não teria havido - ou é provável que não houvesse sido como foi - o violonista Raphael Rabello ou sua irmã Luciana, cavaquinhista, ou ainda o violonista e arranjador Maurício Carrilho. A cadeia não se interrompe. A lição de Radamés Gnattali está na música de O Trio, do Trio Madeira de Lei, do grupo Nó em Pingo d´Água, no bandolim de Hamilton de Holanda (revelado pela primeira edição do Prêmio Visa de MPB); não haveria a música dos jovens e geniais violonistas Rogério Caetano e Daniel Santiago, que concorreram ao Prêmio Visa deste ano; nem a apresentação do também jovem violonista gaúcho Yamandú Costa, vencedor do prêmio teria sido a mesma - Yamandú tocou Radamés; não existiria - é certo que não - uma escola de choro com o nome de Raphael Rabello, em Brasília, que tem quase 300 alunos - Raphael foi revelado na Camerata Carioca, criada, nos anos 70, por Radamés e Joel Nascimento. Nem a música de Guinga seria a mesma, e talvez a do villa-lobiano Tom Jobim também não fosse a mesma. Quando Radamés morreu, em 1988, aos 82 anos, no enterro, diante da consternação de todos, Tom disse: Não fiquem tão tristes. Agora o Radamés sou eu. Radamés Gnatalli nasceu em Porto Alegre, filho de um violinista imigrado da Itália e de uma pianista local, sua primeira professora. Aos 9 anos já dirigia uma orquestra infantil, o que lhe rendeu prêmio; já tocava, também, violino. Começava a estudar violão e cavaquinho. No Instituto de Belas Artes, em Porto Alegre, onde se diplomou, aperfeiçoou-se, também na viola. Tocou em cinemas - os filmes eram mudos, fazia-se música ao vivo para acompanhar as cenas, como Ernesto Nazaré fez no Rio -, conjuntos de dança, começou a compor. Estreou como solista, tocando Bach, Lizst e Tchaikovski, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, no início dos anos 20. Ficou amigo de Nazaré, tocou em cinemas cariocas, começou a fazer arranjos para música popular, foi solista sob regência de Glückmann, apresentou seus primeiros Prelúdios no início dos anos 30 - era um factótum, entre o popular e o erudito. Saiu ganhando o popular pela aplicação de seu conhecimento de orquestra aos arranjos para músicas e gravações de Pixinguinha, Lamartine Babo, Leonel Azevedo, Benedito Lacerda, Nássara, Ari Barroso - a introdução de Aquarela do Brasil, aquela, que todos conhecem, tam-tam-tam, tam-tam-tantam - é dele. Dirigiu orquestras de televisão, no tempo em que as televisões exibiam música (Excelsior, Globo), criou trilhas para novelas (Roque Santeiro, entre muitas), para filmes (Eles não Usam Black-Tie, Bonitinha, mas Ordinária), formou gerações de músicos, criou, literalmente, o conceito de arranjo para orquestra aplicado à música popular. Suas obras eruditas foram e são apresentadas em todo o mundo (muito pouco no Brasil). Sua obra popular é constante no repertório dos grandes instrumentistas brasileiros - as peças mais conhecidas são as suítes Retratos e Brasiliana. Outras obras serão apresentadas nos espetáculos programados para de hoje a domingo. Algumas soarão conhecidas mesmo para quem não as conheça - é que o sotaque da música de Radamés Gnatalli é canônico da música brasileira urbana, como os sotaques de Mignone e Villa-Lobos, seus equivalente e mais conhecidos. Ciclo Radamés Gnatalli. Sexta, Quinteto Villa-Lobos, Maria José Carrasqueira e Laércio de Freitas. Sábado, Novo Quinteto e Mônica Salmaso. E domingo, Joel Nascimento, Academia de Cordas e Conjunto de Choro. Amanhã e sábado, às 21 horas; e domingo, às 19 horas. Entrada franca. Itaú Cultural. Avenida Paulista, 149, tel. 238-1700. Até domingo

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