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Isabel Allende faz sua estreia no romance policial

Com ‘O Jogo de Ripper’, baseado em um RPG, ela provocou críticas de alguns fãs ao dizer que zombava do gênero

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Por Ubiratan Brasil
Atualização:

Sempre disposta a enfrentar desafios, a escritora peruana Isabel Allende ficou animada quando foi convidada a escrever um romance policial, fato inédito em sua carreira. O resultado é O Jogo de Ripper, lançado agora pela Bertrand Brasil, em que uma jovem chamada Amanda, filha do inspetor-chefe da divisão de homicídios de São Francisco e fã do RPG online de mistério chamado Ripper, decide averiguar, ao lado dos companheiros do jogo, os misteriosos crimes investigados pelo pai.

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A trama agradou seus leitores habituais, mas Isabel provocou os fãs dos policiais ao afirmar, em janeiro, que pretendia zombar do gênero com seu livro. "Novelas policiais e romances são fantasias, e seus personagens tendem a ser caricaturas. Para uma autora como eu, que mergulha tanto no personagem, relacionamentos e pesquisa, precisei escrever este livro no meu estilo e debochar do gênero", disse a escritora, que falou ao Estado por e-mail.

O que a levou a escrever um romance policial, mesmo não sendo fã do gênero?Não foi ideia minha, mas da minha agente, Carmen Balcells, a quem ocorreu que eu poderia escrever um romance policial a quatro mãos com meu marido, William C. Gordon, que é autor de vários. Tentamos, mas não deu certo, porque ele escreve em inglês e eu em espanhol; eu trabalho dez horas por dia e ele tem uma capacidade de atenção de 11 minutos. Brigamos como cão e gato; no fim, ele foi para o seu escritório para escrever seu sexto romance e eu para o meu para tentar meu primeiro livro sobre crimes. Reconheço que me diverti muito!

Que autores leu para se preparar para a façanha? Evidentemente, havia lido os eternos clássicos: Agatha Christie, Conan Doyle, etc., além de Pérez Reverte e de autores americanos muito conhecidos. Também li os escandinavos, Stieg Larson e Jo Nesbo, que estavam na moda naquele momento, e vi inúmeros filmes policiais. Mas minha verdadeira preparação se deu numa conferência para escritores de romances "noir", aqui, na baía de San Francisco, onde moro.

Acredita que o mal é um aliado da literatura? Tudo pode ser um aliado da literatura: o mal, o bem, o amor, a morte, a dor, os sete pecados capitais... A matéria-prima do romance é infinita.

Existe uma relação profunda entre a literatura de suspense e a psicanálise, pois em ambas há sempre uma verdade encoberta a ser revelada? Não pensei nisso, mas indubitavelmente é preciso investigar profundamente na psicologia dos personagens para criar uma situação plausível. Os leitores de romances "noir" são muito sagazes e espertos, não deixam passar erros ou inconsistências. Minha responsabilidade como autora é fazer com que os personagens sejam reais ao máximo.

Leonardo Sciascia usava o suspense como meio para falar de temas de identidade. Num bom romance policial moderno, pode-se expor todo tipo de temas sociais, políticos, filosóficos, etc. O autor prende a atenção do leitor por meio da intriga e do suspense, e isto lhe permite falar do que quer, mas ele precisa tomar cuidado, não deve transmitir uma mensagem ou pregar opiniões pessoais, porque os leitores avisados logo se darão conta.

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Muitos autores acreditam que o romance hoje deve muito ao gênero policial, que sempre manteve a necessidade de usar categorias muito claras: personagens, investigação, busca, conclusão. Concorda? Acredito que todos os gêneros literários se relacionem de alguma maneira, todos pedem emprestado alguma coisa de outros. Em quase todos os romances e outras formas de ficção, os personagens são muito importantes. A essência de toda história é que algo muda, mesmo que se trate de uma mudança muito sutil; se não houver mudança para o personagem, não haverá história. Mas nem sempre o romance se coloca em termos de investigação, busca e conclusão, como no gênero policial.

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