30 de abril de 2011 | 00h00
Em suma, quem o ouve fica com a impressão de que ele introjeta de tal modo a obra musical que interpreta, a ponto de só ouvirmos a obra, em estado imaculado. Sei que estes elogios podem parecer excessivos. Mas em disco é assim que soa. E não só nas celebradas gravações de Bach (depois do Cravo, ele gravou as invenções e sinfonias e uma suíte francesa pela ECM em 2009). Paralelamente, tem tocado bastante as sonatas, mas ainda não as gravou. Em 2010 a mesma ECM lançou um CD precioso, onde ele interpreta o quarto e quinto concertos de Beethoven, ao lado da Sinfônica de Montreal, regida por Kent Nagano.
Costumo, em meu dia a dia, ouvir primeiro o CD algumas vezes, ir de vez em quando à partitura. E só depois que formei opinião é que passo à leitura do texto do folheto interno. Na maioria dos casos é perda de tempo, porque os comentários repetem-se invariavelmente, veiculando as mesmas batidas informações - ainda mais num repertório destes. Mas neste CD o texto é do crítico inglês Paul Griffiths. Ele não costuma repetir platitudes. E simplesmente mata a charada, dá uma chave dupla, da gravação e da obra, ao afirmar que nestes dois concertos Beethoven, além de promover um diálogo entre piano e orquestra (já sabíamos disso), mostra também um ouvindo o outro. E alerta que nós, ouvintes, devemos prestar atenção e perceber estas "audições" internas da obra.
É neste sentido que a gravação é antológica. Fellner sabe ouvir; e Nagano conduz a orquestra canadense como se ela fosse um imenso organismo único à espreita do piano. A articulação e a transparência do toque de Fellner favorecem a clareza desta conversa franca e fértil do instrumento com a orquestra. Para mim, aliás, é no quarto concerto que está a performance mais especial deste disco. Houve críticos que puseram reparos justamente à articulação e ausência de poesia no piano de Fellner no andante. Pois é justamente esta recusa ao excesso que faz a beleza da interpretação. De modo bem aparentado a Brendel, Fellner deixa que a força da música de Beethoven se imponha, sem acentuá-la desnecessariamente.
Encontrou algum erro? Entre em contato
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.