29 de maio de 2012 | 03h07
Ao se referir ao 'amor', Liberation não quis apenas saudar o filme do austríaco Michael Haneke. Como Le Monde, o jornal acha que a seleção deste ano foi muito sombria, para refletir o caos do mundo. A crise, a doença, a morte foram os grandes temas do ano. O amor surgiu como uma pálida possibilidade. A frase pronunciada por Jean-Louis Trintignant foi decisiva: "Vamos tentar ser felizes nem que seja para dar o exemplo". O ator de Haneke sabia do que estava falando. Aos 82 anos, Trintignant parecia muito mais acabado do que a sua companheira de elenco, Emmanuelle Riva, também de 82. A devastação com certeza está ligada à morte de sua filha, assassinada pelo amante - e o cara ficou pouquíssimo tempo preso.
Se há uma lição a tirar do júri presidido por Nanni Moretti é a de que não existe essa fantasia do 'melhor filme'. Moretti revelou, na coletiva, que nenhuma das escolhas de seu júri foi unanime. Haneke ganhou, com Amor, mas o ideólogo do júri, o diretor haitiano Raoul Peck, teria preferido atribuir a Palma de Ouro ao mexicano Carlos Reygadas, que, de resto, ganhou o prêmio de direção por Post Tenebras Lux. Outro júri talvez tivesse feito as escolhas que os franceses queriam - elegendo os filmes de Audiard e o de Leos Carax, Holy Motors. A imprensa da França reagiu particularmente mal à premiação do italiano Matteo Garrone, por Reality. Em todas as avaliações, ficou subentendido que Moretti cedeu à patriotada.
Não é verdade. O filme de Garrone é muito bom, como o de Walter Salles, Na Estrada, o de Alain Resnais, Vous n'Avez Pas Encore Rien Vu, e o de Sergei Loznitsa, In the Fog, que ganhou o prêmio da crítica. O júri selecionou um recorte que pode ser contestado, como o fez Le Monde, mas não se pode acusar Moretti e seus jurados de incoerência. As críticas não pouparam duas outras seções do maior festival do mundo. A seleção de Un Certain Regard foi considerada 'anti' competição e, como as duas têm o mesmo curador, Thierry Fremaux, ficou subentendido que este ano ele teve seu momento de 'O Médico e o Monstro'.
Os maiores elogios foram para a Quinzena dos Realizadores, que privilegiou o humor. A comedia é a melhor arma contra a crise, mas essa também foi a lição de Ken Loach, na competição. O júri, que cedeu ao amor e à morte, não deixou de favorecer Loach, ao atribuir-lhe seu prêmio, por The Angel's Share.
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