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Ímpeto juvenil de Pitta dá lugar à ambição adulta

Por Agencia Estado
Atualização:

O ímpeto juvenil, marcante na concepção da peça Cazas de Cazuza, sucesso na temporada teatral carioca e paulistana no ano 2000, dá espaço para a ambição adulta, sem culpa intelectual, no novo projeto do diretor de teatro Rodrigo Pitta. Ele assina a direção artística e a criação das composições do primeiro CD do performer Lulo, que interpretou o personagem Deco em Cazas. O disco chama-se Modernidade, nome de uma poesia inédita de Cazuza, de 1983, musicada por Pitta e seu constante parceiro Daniel Ribeiro. Modernidade também é o nome do musical, do qual Lulo é o protagonista e Gerald Thomas, co-diretor, ao lado de Pitta. As músicas do álbum são pedaços da história do musical que, basicamente, narra a abdução de um astro pop, em 1976, e suas conseqüências. Uma delas é o amor. Um dos mais rigorosos estudos sobre teatro brasileiro, Memória e Invenção: Gerald Thomas em Cena, da pesquisadora Sílvia Fernandes, diz que a maior influência do encenador para outras gerações do teatro nacional foi a afirmação da figura diretor-autor. Essa análise se comprova no trabalho de Pitta, principalmente no projeto Modernidade, no qual é autor da peça e criador das músicas, diferentemente do musical Cazas, amarrado por composições de Cazuza. Pitta nunca tinha composto. Quando terminou a temporada de Cazas de Cazuza, estava com milhares de projetos na cabeça, mas não sabia exatamente o que queria fazer. "João Araújo (presidente da gravadora Som Livre, que vai lançar o CD de Lulo) convidou-me para ser um dos diretores artísticos da gravadora. A TV Globo me chamou para trabalhar no núcleo de dramaturgia e O Cortiço (baseado no livro de nome homônimo de Aluísio Azevedo), meu próximo projeto, estava engatilhado. Fiquei muito confuso", conta ele. "Mas desde que encontrei o Lulo nas audições de Cazas, tinha certeza que era um superartista, além do que ele me disse que queria fazer o disco com a minha participação." Mas para o jovem Pitta um novo musical não bastaria neste momento. "Vejo Cazas de Cazuza mais como um acontecimento de um caminho que eu não sei onde vai parar. Foi muito gratificante fazê-lo", afirma. "O que viesse depois de Cazas seria repetitivo, porque o alcance seria o mesmo. Eu sou por natureza um comunicador de massa, tenho essa necessidade de falar para milhares de pessoas." E foi durante a turnê de Cazas que se iniciou a nova empreitada. Pitta conta que numa das noites do espetáculo no Canecão, no Rio, ele, João Araújo e Lulo conversavam. Lulo disse que queria gravar um disco e o presidente da Som Livre apoiou, confiante no talento da dupla. "Começamos o disco do Lulo antes mesmo de Cazas acabar, em julho. É tudo muito louco. Imagine: fiz um musical com a poesia de Cazuza, filho do João, que depois entra na nossa história." O CD de Lulo deve ser lançado em março e a estréia do espetáculo está marcada para abril. Pitta conta que ele e Lulo não sabiam qual repertório utilizar, muito menos quais produtores buscar. Sabiam pouco sobre a indústria fonográfica, apesar de terem gravado um CD com o repertório de Cazas de Cazuza, lançado em 2000. "Mas tinha certeza de que teríamos de criar uma música compatível com as performances de Lulo. No Brasil há prevenção contra a profissão de performer. Tem gente que pensa que essa arte se resume à atuação na noite", afirma. "Lulo é extremamente musical, apesar de não ser músico, e tem talento para fazer um disco. Trabalhamos nove meses no CD (que está finalizado). Foi um grande aprendizado." Lulo disse a Pitta que queria cantar músicas com poesia. "Pensamos em convidar outros compositores, mas estava tudo confuso. Um dia, surgiu uma melodia na minha cabeça. Era para o meu poema O Trator, o Sol e o Saber", lembra o diretor. "Trago comigo uma experiência musical por causa do teatro e da minha proximidade com o Daniel Ribeiro, que eu considero genial como músico (é parceiro de Pitta em algumas composições e autor dos arranjos do CD), mas essa ferramenta da composição é totalmente nova para mim." Lulo adorou a canção. Um dos cuidados de Pitta foi com a dramaturgia. "A música do Lulo tinha de ter dramaturgia. Tinha de ser um disco que tivesse vida no palco e, para isso, a produção musical também tinha de estar de acordo." Nessa trilha, encontraram os dois produtores do álbum: Guilherme e Jorge Borato. "Não nos conhecíamos, mas logo tive prova da qualidade e modernidade dos seus trabalhos. São competentes com o uso da música eletrônica." Pitta viajou para a Rússia e deixou O Trator, o Sol e o Saber com os dois. "Quando voltei, vi que a poesia tinha se transformado em música e em uma produção de padrão internacional, compatível com a idéia da dramaturgia", conta. "Depois de ver que já existia um caminho, continuei fazendo a segunda, a terceira e a quarta música e entendi que tinha história ali. Tudo foi confirmando o que a gente sempre imaginou: o disco do Lulo seria um musical." Quando percebeu, Pitta tinha uma história a contar e desandou a compor. Embora o disco e a peça tenham os mesmos substratos, a interpretação de Lulo e a criação de Pitta, o autor garante que a novidade do projeto Modernidade está na vida independente das duas criações. "Temos material fonográfico e espetáculo musical com vidas próprias. Quero que a platéia tenha a sensação de estar diante de um videoclipe, ao ver o espetáculo ou ouvir o disco de Lulo. Tanto no musical quanto no CD há elementos cênicos e música pop de qualidade." A entrada de Gerald Thomas no musical Modernidade ocorreu também durante a temporada de Cazas. "Apesar de sermos pessoas diferentes, de fazermos tipos distintos de teatro, nossas energias pessoalmente se cruzam bem. O Gerald, do qual sou admirador, se interessa pela abdução, que é um assunto polêmico." O espetáculo, segundo Pitta, trata também de amor. "Escolhemos uma história que falasse de abdução porque é muito louco a gente ter chegado a 2001 e ter frustrações tecnológicas, mas o amor também está ausente. Acredito que o sentimento, visto sob vários pontos de vista, também tem a ver com esse questionamento, com o desejo de um mundo diferente e criativo." Cazas de Cazuza, visto em três meses por mais de 100 mil pessoas, ainda está rendendo frutos. O projeto Pão Music, do grupo Pão de Açúcar, convidou Pitta para levar o musical ao Parque do Ibirapuera, em formato de concerto. A apresentação faz parte de um Tributo a Cazuza, a ser realizado em março. No mesmo período, a peça entra em cartaz em curta temporada e será gravado um DVD pela Som Livre. Pitta, como Thomas, é workaholic. Em junho, deve lançar seu primeiro livro de poesias. Sairá pela editora Anna Blumme. Chama-se Vestido de Maria e terá, como lançamento, uma leitura do ator Fernando Prata. Será um monólogo. O livro tem ainda uma série de fotografias digitais, feitas por Pitta durante suas viagens pela Sibéria, Estados Unidos e Europa.

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