Num misto de inspiração divina com um perfume de mea culpa, a Pirelli acabou tirando do fundo da gaveta um calendário encomendado, mas jamais publicado, que é (e era) a cara da marca: fotos feitas pelo grande Helmut Newton (1920-2004) em 1985, em Mônaco, durante o Grande Prêmio, e na Toscana, na Itália, com três modelos: Antonia Dell’Atte, Susie Bick e Betty Prado.
E mais: os dias da semana de 1986 coincidem exatamente com os de 2014. Tudo isso trouxe ao lançamento do calendário em Milão, na semana passada, uma dose extra de magia e emoção, criando um verdadeiro buzz na festa comandada pelo ator Kevin Spacey, como se fosse a noite do Oscar.
Para os brasileiros, emoção extra-extra. Betty foi a primeira brasileira a fotografar para o calendário, que depois passou a ter sempre, quase que religiosamente, uma brasileira em suas páginas: de Gisele Zelauy a Gisele Bündchen, passando pela recordista Isabeli Fontana, que participou de seis edições (e também está nas fotos especiais da comemoração desses 50 anos feitas por Peter Lindbergh e Patrick Demarchelier, em Nova York).
Como todos os 800 convidados vindos do mundo todo para o lançamento, ela não sabia de nada – faz parte da estratégia de marketing não revelar nenhum detalhe sobre o novo The Cal (como ele é chamado pelos íntimos) até a hora H. Quando o novo calendário foi anunciado como “um trabalho único que foi mantido em segredo e jamais distribuído”, Betty apareceu logo na primeira foto, abrindo o ano de 1986 num balanço de corda e pneu pendurado numa árvore.
Super emocionada, ela contou que os motivos alegados na época para a não publicação do calendário nunca foram claros. “Estávamos fotografando na Toscana quando Helmut recebeu a notícia de que June, sua mulher, tinha sofrido um enfarte. Um helicóptero veio buscá-lo e ele entregou a Manuela Pavesi a missão de concluir o trabalho. Acho que aquilo inclusive impulsionou a carreira de Manuela como fotógrafa,” conta. Manuela, hoje fotógrafa e consultora da Pirelli e da Prada, era a stylist então.
O fato talvez tenha melindrado
Versões à parte, o trabalho de Helmut Newton quase 30 anos depois preserva seu valor como um bom vinho. Newton tinha um estilo único, marcado pelo erotismo e fetichismo que quebrou o paradigma da fotografia de moda nos anos 60, até então glamourizada dentro de clássicos padrões de elegância.
O conceito das fotos foi inspirado num editorial de moda que ele havia feito com Manuela para a revista
Para o editor Benedikt Taschen, que prepara um livro sobre o calendário para 2014, “as imagens parecem feitas ontem, são clássicas”. “Newton dizia que a foto estava na cabeça dele, a câmera apenas a realizava”, conta. Talvez isso explique por que, apenas com suas instruções sobre posicionamento da câmera e atitude, Manuela tenha concluído o trabalho como se fosse ele próprio. Newton morreu em janeiro de 2004, num trágico acidente de carro. June tem 90 anos e não foi ao lançamento.
A história do Calendário Pirelli pode ser dividida em três períodos distintos. O primeiro vai de 1964 a 74, seguido por uma longa interrupção da publicação (nove anos), devido à recessão econômica e à política de austeridade.
O renascimento começa em 1984 e vai até 1994, quando adquiriu suas características atuais. A partir de 1994, o calendário afirma-se como um objeto de culto.
COLABOROU UBIRATAN BRASIL