PUBLICIDADE

"Hysteria" é espetáculo obrigatório

Peça baseada em documentos de hospícios femininos do século 19 tornou-se um fenômeno no festival de Curitiba graças à propaganda boca a boca

Por Agencia Estado
Atualização:

Depois de uma discreta estréia na Casa das Rosas, em São Paulo, em 2001, e de uma aclamada passagem pelo Fringe do 11.º Festival de Teatro de Curitiba, Hysteria voltou a São Paulo, na Vila Penteado, um belo palacete art nouveau em Higienópolis que pertence à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Fica em cartaz aos sábados e domingos, às 16 horas, até julho. Se se repetir aqui o entusiasmo e o boca-a-boca de que o trabalho foi alvo na capital paranaense, não é difícil prever que Hysteria vai tornar-se um espetáculo obrigatório da temporada. E não é para menos. O trabalho do Grupo XIX de Teatro trata da condição feminina usando uma perturbadora premissa. Baseada na pesquisa de documentos de hospícios femininos do século 19, a trupe costurou, em processo de criação coletiva, quatro histórias de mulheres encerradas em manicômios. Ao mergulhar nesse universo, o diretor Luiz Fernando Marques e as atrizes Gisela Millás, Janaina Leite, Juliana Sanches, Raíssa Gregori e Sara Antunes traçaram um desenho que passa pela pressão familiar, pela repressão social e pela introjeção de fantasmas opressivos e desestabilizadores. Resulta daí que, se olharmos com atenção, essa pintura, apesar do feminismo e das conquistas todas do século 20, ainda é aplicável a um grande número de mulheres no planeta. Basta lembrar o número de mulheres submetidas a restrições de todo tipo em função de leis religiosas ou de costumes seculares para que os casos narrados em Hysteria ganhem extraordinária vibração. São histórias secretas de vidas frementes que aspiram à liberdade. O trabalho de Marques e de suas atrizes é envolvente. Homens e mulheres são separados na entrada. A eles cabe uma arquibancada ao fundo. A elas, bancos em uma área próxima das atrizes. Hysteria é interativo. De modo muito delicado, e dirigido apenas para elas, não para eles. A bem da verdade, não há espectadora que não se deixe seduzir pelas tramas pungentes. E muitas saem do teatro aos prantos. A cumplicidade feminina é a pedra de toque da montagem. As figuras de Hysteria, quatro internas e uma enfermeira que também tem sua história para contar, pinçadas de documentos verídicos, escritos há um século e meio, trazem à tona frustrações milenares, aspirações tão antigas quanto irrealizadas. Perceber a atualidade do que dizem essas atrizes talvez seja o susto maior do público ao contatar o mundo docemente amargo da montagem. As cinco atrizes, trabalhando em uma linha realista de suaves contornos e aguçadas idéias, atingem um grau intenso de comunicação com a platéia. Montagem de simplicidade franciscana, Hysteria mostra que uma nova geração de talentos está emergindo. E vem com força, disposta a tratar de problemas polêmicos, como a condição feminina no começo do novo século e milênio, quadro que tem em um extremo o ápice da emancipação, e no outro, a da excisão do clitóris a que milhares de mulheres ainda são submetidas. Vindos da ECA/USP, Luiz Fernando Marques e sua trupe de talentosas e belas intérpretes desembarcam no palco profissional com muito a dizer. A partir de Hysteria, será forçoso ouvi-los. Serviço - Hysteria. Criação Grupo XIX de Teatro. Direção: Luiz Fernando Marques. Duração: 65 minutos. Sábados e domingos, às 16 horas. R$ 20,00 e R$ 10,00. FAU/ USP - Palacete Vila Penteado. Rua Maranhão, 88, São Paulo, tel. 5677-0369. Até 14/7

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.