HQs nacionais ganham espaço em meio à crise

A crise do mercado de quadrinhos trouxe como principal reflexo a diminuição de títulos estrangeiros em bancas, com tiragens menores e preços altos; mas está abrindo espaço para a produção nacional.

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Por Agencia Estado
Atualização:

Desde a década de 80, o mercado brasileiro de histórias em quadrinhos voltadas aos públicos infanto-juvenil e adulto alternou ótimos momentos com sérias crises. O quadro atual, no entanto, parece ser o mais grave dos últimos anos. O número de títulos estrangeiros em bancas diminuiu bastante, suas tiragens foram reduzidas e, como conseqüência, os preços subiram muito. Mas, se para as editoras que publicam materiais estrangeiros, a situação é de risco, para os autores nacionais a hora é de investimento. Sem ter de bancar custos de royalties sobre os personagens, eles buscam alternativas (financeiras e de distribuição) para publicar suas histórias, com a intenção de conquistar o leitor e preencher essa lacuna deixada no mercado. Quem procura por novidades verá, este ano, algo que não ocorria há muito tempo: cinco novos títulos nacionais disputando a preferência do leitor. Tropa de Choque 1994 é uma minissérie (formato americano, duas partes, colorida, papel de luxo), que será lançada este mês pelo Estúdio Impacto Quadrinhos. A história se passa em 1994, numa interessante realidade alternativa, na qual o Brasil sofre, há três décadas, com uma guerra civil. Tudo porque o presidente João Goulart resistiu ao golpe militar de 1964, iniciando um enorme conflito. A trama prossegue. Em 1973, uma bomba química experimental foi usada num ataque e mais de meio milhão de pessoas morreram. A conseqüência foi uma onda de doenças genéticas, a infertilidade da maioria dos sobreviventes e o nascimento de crianças com estranhas habilidades paranormais. Oito delas viriam a formar a Tropa de Choque, um grupo de elite da Aeronáutica, com o objetivo de executar missões suicidas. Os integrantes, apesar de terem superpoderes, não são propriamente super-heróis. A minissérie de gibis tem um roteiro bem elaborado e uma arte competente, ambos assinados por Klebs Junior, que já trabalhou para editoras americanas de super-heróis. Mas o seu grande diferencial é a forma como chega às bancas. Tropa de Choque 1994 será publicada em parceria com o Instituto Mensageiros, que promove assistência odontológica gratuita às crianças carentes; e parte da venda das revistas será destinada à entidade. Essa iniciativa possibilitou uma tiragem de 40 mil exemplares (que permite uma melhor distribuição no País inteiro), com preço de capa mais acessível. Cariocas - A editora carioca Nona Arte traz duas edições especiais, em preto-e-branco, impressas em papel off-set, num formato um pouco menor do que o americano - e o principal: roteiros e desenhos de boa qualidade. Fawcett narra a história de Percy Harrison Fawcett, um coronel do exército britânico e explorador que teria sido a inspiração para a criação de Indiana Jones. Ele desapareceu em selvas brasileiras, em 1925, numa expedição em busca de Muribeca, uma cidade perdida que, supostamente, seria parte da Atlântida. A aventura, baseada em fatos verídicos, foi extremamente bem adaptada (e interpretada) pelo roteirista André Diniz, que coloca fundamentais textos explicativos sobre o personagem título antes da história, para situar melhor o leitor. Os desenhos ficaram por conta de Flávio Colin. Já Subversivosse passa em 1968, nos anos que sucederam o golpe de 1964. Também escrita por André Diniz, é uma história típica daqueles dias conturbados. Gente sendo torturada, repressão, muita ideologia política e nada de finais felizes. Não é à toa que o subtítulo da obra é Os anos de chumbo da ditadura militar. Os desenhos são de Laudo. Dono de um traço limpo, ele foi extremamente criativo na diagramação das páginas e trabalhou com maestria no contraste de luz e sombras. Destaque para a ótima caracterização da época tanto no visual (carros, roupas, armas e cenários) quanto na linguagem (termos usados pelos ´companheiros´). Fawcett e Subversivos serão vendidos em lojas especializadas em HQs, grandes bancas ou pelo site da editora: http://www.nonaarte.com.br. Ficção científica - O Dilema de Gilvath é uma edição especial independente, em formato similar aos dos álbuns europeus, escrita por Alvimar Pires dos Anjos e de senhada por Mozart Couto, um virtuose do traço nacional, extremamente versátil, que já publicou tanto na Europa (álbuns) quanto nos Estados Unidos (super-heróis). Trata-se de uma história de ficção científica, protagonizada por um bárbaro cujo povo é oprimido por uma raça mais evoluída. Com a ajuda de um cientista inimigo, ele volta no tempo e a trama ganha um outro rumo, bastante inusitado. Produzida em preto-e-branco, a edição deve ser a primeira de uma série de seis álbuns com as aventuras de Gilvath. As vendas estão sendo realizadas em lojas especializadas ou diretamente com os autores, por e-mail (Alvimar: bildhar@ig.com.br ou Mozart: mozartcouto@ig.com.br). Outra novidade é Combo Rangers Revolution, uma minissérie (formato americano, três edições quinzenais, papel cuchê) voltada ao público infantil e infanto-juvenil, que chega às bancas graças a uma parceria entre a editora JBC - Japan Brasil Comunication e a Yabu Media. Trata-se da primeira HQ que sai da Internet para ganhar uma versão "em papel". Os Combo Rangers são seis crianças (de 12 anos, em média) que utilizam os poderes que receberam para proteger o planeta. Eles foram criados em 1998, pelo desenhista Fabio Yabu e suas aventuras quinzenais no site http://www.comborangers.com.br são lidas por cerca de 50 mil leitores, um número invejável para o atual momento do mercado de quadrinhos no Brasil. Se repetir o sucesso em bancas, vai se tornar um campeão de vendas. Como na web, a minissérie mantém a "marca registrada" dos personagens: muita aventura, ação e humor. Tudo desenhado no melhor estilo mangá (quadrinhos japoneses). Evidentemente, é cedo para afirmar que esses lançamentos iniciarão uma retomada da produção de quadrinhos nacionais, em série. Mesmo assim, já é um bom começo na tentativa de fortalecer esse mercado que, hoje, é composto basicamente pelas divertidas revistas de Mauricio de Sousa. Quem sabe, em breve, os brasileirinhos Mônica e Cebolinha tenham nas bancas companhia que fale a mesma língua, na ´briga´ contra os supertipos uniformizados.

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