HQ retrata o cotidiano dos palestinos

O desenhista Joe Sacco, que também é jornalista, conta como é a vida dos palestinos nos campos de refugiados, que visitou nas viagens que fez à Cisjordânia e à Faixa de Gaza

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Por Agencia Estado
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Nascido em Malta, Joe Sacco passou a infância na Austrália antes de se mudar com a família para os Estados Unidos. Aprendeu a desenhar sozinho, criando histórias em quadrinhos para a irmã, quando era pequeno. Mais tarde, formou-se em jornalismo pela Universidade de Oregon. Uniu o útil - exercício do bom jornalismo - ao agradável - a arte dos quadrinhos. Autor de Palestina - Uma Nação Ocupada, relato parcial de viagens que fez entre 1990 e 1991 à região de Israel e os territórios da Cisjordânia e Faixa de Gaza, Sacco também está fortemente identificado com o conflito que se estende por mais de 50 anos na região do Oriente Médio. Palestina - Na Faixa de Gaza (Conrad, 280 págs., R$ 33) acompanha o autor em um dos campos de refugiados palestinos mais pobres e visados pelas autoridades militares israelenses. Ao mesmo tempo narrador e personagem, ele dá voz a homens, mulheres e crianças, que relatam seu cotidiano terrível em primeira pessoa - sem filtro. Agência Estado - Entre o primeiro álbum, Palestina, e este não há grandes diferenças, a não ser pelo fato que neste você fez contato com duas garotas israelenses que o questionaram sobre ouvir o outro lado. Israel já não é ouvido o suficiente pela mídia oficial? Joe Sacco - Sim, acho que as vozes de Israel são ouvidas freqüentemente, mas o livro é um relato das minhas experiências e ter conhecido duas mulheres israelenses no fim da minha viagem foi uma das minhas experiências. Acho que valia a pena contar. E com certeza, o leitor está vendo as mulheres israelenses pelos meus olhos, assim como viram os palestinos pelos meus olhos. A propósito, contestei o ponto de vista das israelenses. Você questiona as pessoas, discute política, coloca em preto-e-branco o que lê e vê na imprensa, mas nunca dá sua opinião sobre o conflito no Oriente Médio. Por quê? Acho que é claro que sou totalmente solidário com as aspirações palestinas, do contrário não me esforçaria tanto para fazer com que eles fossem ouvidos. Talvez não dê minha opinião explicitamente em cada página, mas acho que os fatos da ocupação falam por si e que qualquer leitor justo chegará à conclusão de que a ocupação é uma tentativa imoral e ilegal. O que deveria ser feito? Para que existisse a chance de os dois povos viverem pacificamente lado a lado, Israel deveria retirar-se para onde eram as fronteiras em 1967 e lidar de forma justa com os direitos dos refugiados palestinos. Desde que você esteve lá, as coisas pioraram em Israel e nos territórios ocupados. Isso, com certeza, por causa da política de George Bush para a região. Em sua opinião, é possível reverter a situação? As perspectivas dos palestinos não parecem boas agora. O número de colonos nos territórios ocupados mais do que dobrou desde o Acordo de Oslo e agora os israelenses estão construindo um muro em torno da Cisjordânia, o que está espremendo os palestinos em áreas cada vez menores. Há esperança de que pessoas mais sensatas assumam o poder logo, mas sinceramente não acredito nisso. Você conheceu várias pessoas na Faixa de Gaza, como Sameh, seu anfitrião árabe. O que aconteceu a essas pessoas? Você teve notícias delas? Tentei encontrar Sameh recentemente quando estive em Gaza, mas não consegui. Gostaria muito de reencontrá-lo. Enviei cópias do meu livro para algumas pessoas de lá, mas nunca obtive resposta. Talvez tenham sido interceptados e nunca chegaram até elas. Você já tentou falar com as autoridades palestinas? Você raramente fala de Arafat ou os seus ministros. É proposital? Prefiro falar com pessoas comuns. Sinceramente, não estou interessado nas autoridades palestinas. Não acho que tenham feito um bom trabalho para seu povo e não acho que diriam nada diferente do que já ouvi milhares de vezes. Acredite, quando você fala com essas autoridades não há surpresas. Há um belo prefácio de Edward Said no livro. Como chegou a escrevê-lo? Qual a importância do seu legado? E o que significa para o conflito no Oriente Médio perder pessoas como ele? Edward Said foi um dos meus heróis e sua perda é insuperável. Ele é uma das razões pelas quais escolhi o caminho que percorri e, certamente, uma das razões pelas quais me interessei pelo conflito entre israelenses e palestinos. Não sei quem ocupará seu lugar e defenderá o povo palestino de maneira tão eloqüente e eficiente. Senti-me verdadeiramente honrado por ele ter escrito a introdução do meu livro. Escrevi para ele perguntando se faria isso, mas não esperava uma resposta positiva porque sabia que estava muito ocupado e muito doente. Mas ele concordou e fiquei muito feliz quando soube. Está trabalhando em algum livro novo? Pode dizer algo a respeito? Estou trabalhando em outro livro sobre os palestinos, concentrado especificamente em Rafah, um campo de refugiados na Faixa de Gaza. O trabalho é parcialmente histórico. Passei alguns meses lá recentemente.

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