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Houellebecq ataca "mercado" de relações humanas

Em seu mais recente livro, Plataforma, autor propõe crítica à "economia sexual de mercado", mas o faz por meio de personagens conservadores e racistas

Por Agencia Estado
Atualização:

Em Extensão do Domínio da Luta, originalmente publicado em 1994, o protagonista da obra defende uma espécie de crítica à economia do mercado de relações humanas. No mundo livre da monogamia, explica, criou-se mais uma desigualdade: há aqueles que acumulam uma enorme fortuna sexual e os que vivem à míngua, como mendigos, recolhendo migalhas emboloradas. Na verdade, Michel Houellebecq descreve esse quadro de maneira mais rude. Mas ele é fundamental para entender os três romances do autor: Extensão do Domínio da Luta, Partículas Elementares (de 1997) e sua mais recente obra, Plataforma (2001). Os personagens de Houellebecq são justamente esses mendigos. A tese central de Partículas Elementares é que a liberação sexual dos anos 1960 e 70 é responsável pela infelicidade do mundo atual. Os protagonistas dos seus romances são homens solteiros, que consideram seus trabalhos pouco importantes - e cuja preocupação essencial é organizar a problemática vida sexual. O personagem de Extensão do Domínio da Luta o faz evitando relacionamentos; o de Plataforma, por exemplo, indo para a Tailândia e fazendo sexo com meninas menores de idade. Nesse sentido, é até ridícula a comparação do autor como um Balzac pós-moderno, uma análise que correu na esteira do sucesso de Partículas Elementares. O projeto sugerido em sua primeira obra de ficção apenas foi reafirmado. Ele não admite muitas variações. Há uma clara repetição, uma espécie de monomania. Essa sensação se reforça pela identificação cada vez mais evidente entre o autor e seus personagens principais. O narrador de Plataforma chama-se Michel (como, aliás, o dos outros dois romances) e acha que os muçulmanos não são lá grande coisa. Bom, conta-se que a mãe de Houellebecq converteu-se ao islamismo, algo que teria alimentado seus problemas com ela. É possível ainda encontrar descrições de Michel como um homem da faixa dos 40 anos e semicalvo, características que são visíveis na imagem da orelha de Plataforma. Apesar de recorrer a essa aproximação, Houellebecq mostra que também não gosta de parecer a mais mal-sucedida experiência da humanidade. O segundo personagem de Extensão é um homem de 28 anos, virgem, companheiro de trabalho de narrador. Michel lhe sugere, em dado momento, que recorra à violência extrema para obter sua pequena parcela de satisfação na economia sexual de mercado - mas ele não consegue ultrapassar o limite da luta. Acaba morrendo num acidente, em condições que sugerem suicídio. Sim, o mundo que Houellebecq descreve não é justo. Mas a semelhança entre os personagens, todos integrantes de uma classe média sem perspectivas de se realizar, sexual ou economicamente, a não ser pela força do acaso (como a herança que o protagonista de Plataforma recebe), temerosos com a possibilidade de empobrecimento, revelam um autor narcisista, e não humanista. Seus personagens, assim, se tornam conservadores, racistas, misóginos, etc. Aparentemente como o autor. O sucesso de Houellebecq mexeu com o universo literário francês. Combinou uma narrativa atraente com crueldade e um universo pop decadente. Descrito assim, parece reunir características semelhantes às do inglês Nick Hornby - esse, sim, autor de um projeto que guarda relações com a obra de Balzac. Hornby utiliza seus livros para realizar mergulhos profundos em diferentes personagens da cultura pop britânica: o pequeno burguês apaixonado por discos (Alta Fidelidade), o torcedor fanático por futebol (Febre de Bola), a falência do casamento na classe média e sua má consciência social (Como Ser Legal). Seus personagens percebem as crueldades do mundo, mas estão sempre em busca de novos caminhos, ainda que tortuosos e reconhecidamente difíceis, às vezes de clara resistência. Houellebecq é um escritor que se debruça sobre a tendência à busca de saídas e explicações fáceis, de curto fôlego, desesperadas. O que lhe garante um papel especial para entender e, principalmente, refletir a França de Le Pen. Extensão do Domínio da Luta. Editora Sulina, 142 págs. R$ 21. Plataforma. Editora Record, 384 págs., R$ 30. Romances de Michel Houellebecq.

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