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Homenagem sensível a Verdi

Soprano Gabriella Pace e barítono Rodrigo Esteves interpretaram ária e duetos no São Pedro

Foto do author João Luiz Sampaio
Por João Luiz Sampaio
Atualização:

O diálogo entre texto e música está na essência do nascimento da ópera - e as múltiplas facetas que ele pode assumir ajudam a explicar o fascínio que ela, 400 anos depois, continua a exercer nas plateias. Cada compositor buscou a sua maneira de explorar o drama que nasce do contato entre palavra e som. E cada solução é um elogio às possibilidades expressivas do gênero.Nesse processo, o italiano Giuseppe Verdi, entre tradição e modernidade, é um ponto de referência obrigatório. O compositor foi tema de apresentações no fim de semana no Teatro São Pedro, parte de uma série de concertos inaugurada este ano pelo espaço, lufada que mantém a ópera viva na cidade enquanto o Teatro Municipal segue fechado. A apresentação ofereceu um misto de familiaridade e surpresa com as soluções encontradas por Verdi - em especial porque recriadas com vigor por uma jovem orquestra e por dois destacados solistas da nova geração do canto lírico brasileiro, comandados pelo veterano Emilio De Cesar.Verdi tinha relação especial com a obra de Shakespeare, iniciada ainda na juventude. Levou algumas de suas peças ao palco da ópera. E sua adaptação mais bem acabada talvez seja a de Otello, que seria sua penúltima ópera. Aqui, a relação entre canto e orquestra atinge novos graus de refinamento, palavra e música se alimentando mutuamente, o que ficou evidente na comovente interpretação que a soprano Gabriella Pace ofereceu da Canção do Salgueiro, seguida da Ave Maria, ambas do Otello. A construção das frases, o equilíbrio entre as regiões mais graves e agudas da voz, que tem ganhado corpo com o tempo, os pianíssimos delicados - Gabriella reproduz de maneira sensível a dor da personagem, entre a lembrança da infância e o temor provocado pelo comportamento recente de Otello, que no canto parece sugerir a certeza do fim próximo. Visivelmente afetado por uma faringite, o barítono Rodrigo Esteves subiu então ao palco para cantar a cena da morte do marquês de Posa, no Don Carlo, que Verdi adaptou da peça de mesmo nome de Schiller. Cantor experiente, Esteves se apoiou em uma técnica eficiente e no conhecimento do estilo verdiano, até no que tem de mais diversificado e contrastante, como ficou claro também nos duetos de La Traviata e Rigoletto, que cantou ao lado de Gabriella. Foi particularmente bonita a maneira como as vozes se combinaram na sequência final do célebre dueto entre Violeta e Germont, quando a jovem resolve abdicar de seu amor por Alfredo. Com pouco mais de um ano de atividades, a Orquestra Sinfônica do Teatro São Pedro tem dado amostras de qualidade não apenas individual - em especial nas madeiras e nos metais -, mas também como conjunto. Ser uma orquestra dedicada exclusivamente à ópera exige especificidades, uma atenção especial à narrativa e ao drama, desafio que os jovens músicos têm encarado com bons resultados. Comandados por De Cesar, ofereceram na tarde de domingo interpretações empolgantes de algumas das principais aberturas de Verdi, de óperas como La Forza del Destino, Nabucco e La Traviata; e, nas árias e duetos, acompanharam de perto o maestro em leituras limpas, que dão ao canto liberdade ao mesmo tempo em que ressaltam sua expressividade.

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