Hite, a feminista vaidosa, lança "Sexo e Negócios"

Autora do Relatório Hite, um dos mais célebres estudos sobre a sexualidade da mulher, a pesquisadora ainda combate preconceitos e pede igualdade no trabalho

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Por Agencia Estado
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É uma cantora country? Uma atriz hollywoodiana? A Barbie em pessoa? Vestida de cor-de-rosa ou com um esvoaçante vestido cinza, Shere Hite, historiadora americana, provocou espanto durante sua passagem pelo Rio de Janeiro, onde lançou, no último fim-de-semana, Sexo e Negócios (Bertrand Brasil, 260 págs.) na Bienal do Livro. Doutora em História do Pensamento Ocidental pela Universidade Columbia, de Nova York, ela é autora de diversos livros sobre relacionamento entre os sexos - o mais famoso é O Relatório Hite: Um Profundo Estudo Sobre a Sexualidade Feminina, de 1976. Suas pesquisas foram traduzidas em 36 países e venderam milhões de cópias. Aos 57 anos (aparência de dez a menos), loura de olhos azuis, pele branquíssima e longa cabeleira cacheada, Shere Hite é uma celebridade do meio literário cuja silhueta diáfana contrasta com a sisudez que se espera de um acadêmico. Desde 1971, quando descobriu o feminismo, ela se dedica a combater preconceitos e lutar pelos direitos da mulher - sua reivindicação mais recente, abordada em Sexo e Negócios, é a equiparação salarial com os homens. Ex-modelo - e, pasmem, ex-coelhinha da Playboy - Shere não desceu do salto para se tornar feminista. Ao contrário: é vaidosíssima. Foi justamente trabalhando como modelo que a loura bonitona "despertou para a necessidade de brigar pela valorização da mulher". Sentada no bar de um hotel no Rio, ela conta, num tom de voz suave, quase inaudível: "Fiz uma propaganda de máquinas de escrever em que era uma secretária, datilografando bem rápido. Não sabia qual seria o texto do anúncio. Surpreendi-me ao ouvi-lo na tevê. Era algo como ´sendo atraente assim ela nem precisava saber datilografia´. Senti-me muito mal". Depois dessa experiência, Shere começou a entrevistar mulheres sobre sexo e convivência com os homens, por meio de questionários que preservavam o anonimato das entrevistadas. A pesquisa resultou no primeiro relatório Hite, pioneiro em apontar a importância do clitóris para o prazer feminino. Depois a autora se dedicou à versão falocrática do estudo, O Relatório Hite sobre a Sexualidade Masculina, publicado em 1981. Os dois livros foram bem recebidos pela crítica, mas o terceiro, As Mulheres e o Amor: uma Revolução Cultural em Progresso, de 1987, despertou a discussão sobre a validade científica da metodologia aplicada pela biógrafa da sexualidade. Especialistas em pesquisas de opinião pública apontaram a falibidade das estatísticas de Hite, que se baseava em um um número pouco expressivo de respostas para apontar suas conclusões. A própria autora divulgou que As Mulheres e o Amor foi escrito a partir de 4.500 questionários - no total, foram distribuídos cem mil. As críticas levaram algumas editoras americanas a deixar de publicar Hite. Magoada, ela abandonou os Estados Unidos e mudou-se para a Europa, onde vive até hoje, entre Paris e Londres. Muitos anos e livros depois do acontecido, Shere ainda se revela ressentida com os americanos. "Sou ameaçada de morte em meu próprio país", diz, com os olhos cheios d´água. "Grupos que condenam o aborto (ela o defende) querem me matar, assim como fazem com médicos que o praticam." Essa e outras histórias de preconceito ela conta na autobiografia que está lançando na Europa - ainda sem previsão de sair no Brasil. Se o livro não estivesse pronto, Shere com certeza incluiria nele o bate-boca que protagonizou, sexta-feira à noite, na festa de abertura da Bienal, com o roteirista Doc Comparato. Diante do dedo em riste do brasileiro, ela reagiu: "Não se deve apontar o dedo para uma mulher. Sou uma doutora". Doc não se intimidou e chamou de "balela" as pesquisas da americana. Shere parece acreditar ser vítima de um complô masculino. Para ela, sua metodologia foi (e é) criticada porque as pessoas têm dificuldades em aceitar "certas verdades", como o fato apurado em seu terceiro livro de que 70% das mulheres casadas são infiéis. "Eu, pelo menos, procuro fazer algum tipo de pesquisa", justifica-se. "Há autores que vão colocando opiniões no papel sem ir a campo confrontá-las." Para publicar seu novo trabalho, Shere entrevistou pessoalmente 500 dos mais importantes empresários do mundo, segundo seleção da revista econômica Fortune, e funcionárias de grandes corporações. As conversas revelaram: 52% dos homens se sentem desconfortáveis em trabalhar no mesmo nível hierárquico que mulheres e 61% admitem subestimar o sexo feminino. Diante dessas conclusões, a autora propôs a criação de um novo cargo administrativo, o de "gerente de gênero", encarregado de garantir oportunidades iguais para homens e mulheres. "O ambiente corporativo vai promover mudanças no relacionamento entre os sexos também fora do trabalho", acredita Hite. "Ensinará que é possível ter uma convivência próxima sem que isso implique em sexo. Um dia, as líderes femininas não serão mais retratadas como monstros titânicos, como Margaret Thatcher, ou predadores, como a personagem de Demi Moore em Assédio Sexual." Hite defende que não é preciso se masculinizar para ter sucesso profissional. Como se viu em sua visita ao Rio, ela se esforça para ser a maior comprovação de que sua teoria é verdadeira.

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