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Historiadora analisa terror católico na Inglaterra

Por Agencia Estado
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Quando o século 16 acabou e Elizabeth I, com seus 67 anos, seguia reinando na Inglaterra, sabia-se em toda a Europa que algumas questões teriam de ser resolvidas muito em breve: quem ficaria com a coroa deixada pela rainha que não teve filhos (também chamada de rainha virgem)?; o que seria feito com as minorias religiosas, especialmente com os católicos, que viviam condenados a freqüentar missas em esconderijos secretos às duas da manhã? Não é fácil entender o jogo político inglês de então, especialmente para os brasileiros, pouco afeitos a problemas de sucessão que não envolvam eleições ou golpes republicanos. Isso porque o século 16 foi o da reforma religiosa; e, se houve um país em que ela foi especialmente marcada pela ambigüidade, ele foi a Inglaterra. O pai de Elizabeth I, Henrique VIII, rompeu com o catolicismo, na primeira parte do século 16, e anulou seu primeiro casamento, com Catarina da Espanha. Quando Henrique VIII morreu, em 1547, assumiu Eduardo VI, protestante, que reinou até 1553. Foi sucedido por Maria Tudor, católica fervorosa, que, pela perseguição aos protestantes, recebeu o apelido de Bloody Mary (Maria, a Sanguinária). Em 1558, com sua morte, Elizabeth subiu ao trono, aos 25 anos, e restaurou o protestantismo, reprimindo os católicos, sendo inclusive excomungada pelo papa, num momento em que isso já fazia bem pouca diferença, pelo menos para ela. É verdade que o rei Henrique IV da França (nem pense em confundi-lo com os Henriques ingleses) só se converteu ao catolicismo para poder ficar com o trono, dando origem à famosa frase "Paris vale uma missa". Mas, na Inglaterra, que pouco antes havia imposto uma derrota militar à grande potência da época, a católica Espanha, tudo foi muito mais complicado. E a melhor prova disto é que foi nessa época que viveu o homem de teatro William Shakespeare, autor de Macbeth, apenas para citar uma peça em que o tiranicídio está presente. A historiadora Antonia Fraser, mulher do dramaturgo Harold Pinter, conhecida pelo livro As Seis Mulheres de Henrique VIII, dessa vez decidiu popularizar o período que se sucede ao reinado de Elizabeth I, em que, depois de muita articulação entre a nobreza, assume o trono inglês o rei Jaime I (da Inglaterra, VI da Escócia). No livro A Conspiração da Pólvora - Terror e Fé na Revolução Inglesa, lançado em 1996 na Inglaterra e agora no Brasil (Record, 388 págs., R$ 39), ela narra a trajetória dos católicos ingleses que esperavam uma abertura com o reinante coroado em 1603 - abertura que não veio, aliás. Desesperado, um grupo de radicais decidiu executar uma ação que, mais tarde, receberia o nome de terrorismo: explodir o Parlamento que se reuniria para votar mais leis antipapistas (ou seja, contra os seguidores da religião do papa, também chamados de recusantes, por sua recusa em aceitar a religião anglicana). O atentado foi descoberto com antecedência, e o Parlamento não explodiu no dia 5 de novembro de 1605, como pretendiam os católicos radicais. Mas a conspiração liderada por Robert Catesby e Guy Fawkes marcou a vida política inglesa - e serviu para que os que professavam a religião fossem ainda mais perseguidos. Em 1613, chegou a ser apresentado no Parlamento um projeto de lei, não aprovado, que obrigaria a minoria a usar chapéus vermelhos que a identificasse ou meias de duas cores, como os palhaços; por não ter sido adotada, a medida transformou-se quase numa anedota, mas a repressão religiosa tinha conseqüências práticas, como restrições ao exercício de algumas atividades (como o da profissão de advogado e de oficial militar) e, principalmente, a cobrança de taxas que engordavam o fisco inglês. Antonia procura narrar os bastidores desse atentado político fracassado. Mostra como os católicos estavam esperançosos com a chegada de Jaime, filho de uma papista, ao reinado. Alinhava declarações e atos do novo rei e, principalmente, de sua esposa, Anne da Dinamarca (que trocava cartas com o papa utilizando-se de palavras dúbias), que mostravam que realmente havia motivos para que os católicos acreditassem em dias mais felizes do que os vividos sob a rainha virgem, em que a Igreja Anglicana se estruturou. Mas Jaime impunha que sua tolerância fosse acompanhada de discrição ritual pelos católicos e, especialmente, da estabilização do número de praticantes da religião minoritária. Era uma contradição clara, que só podia resultar em frustração: o sopro de liberdade estimulava o fogo religioso, fazendo com que católicos "convertidos" ao anglicanismo retornassem à velha Igreja Romana, provocando a reação do Estado. O fato é que, em menos de um ano após a ascensão de Jaime, a lógica exigia, pelo menos para os mais aguerridos à tradição papista, que alguma medida extrema fosse tomada. O projeto fracassou e a perseguição religiosa ganhou uma justificativa "concreta". "Em memória do malogrado empreendimento de Guy Fawkes, os porões da Câmara dos Lordes ainda são inspecionados na véspera da abertura do Parlamento. A prática tornou-se um dos muitos rituais que acompanham e realçam os procedimentos políticos britânicos, relacionando-os com um vívido passado. Mas a busca tem suas origens no verdadeiro pânico em relação à ameaça católica", escreve Antonia. Conspiração da Pólvora, apesar da pesquisa cuidadosa não é um livro de história, no sentido estrito. Antonia recorre a suposições, adjetivos, repetições, descrições e estruturas que o aproximam da narrativa ficcional. Mas procura documentar tudo o que apresenta, o que torna seu relato bastante fidedigno. O assunto, que poderia se transformar numa chateação para não iniciados em história inglesa, acaba virando um envolvente enredo de um romance vagabundo - e, por isso mesmo, saboroso e instrutivo. A Conspiração da Pólvora - Terror e Fé na Revolução Inglesa, de Antonia Fraser. Ed. Record, 392 págs., R$ 39.

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