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História da literatura passa pela casa de Doyle

Homero Senna lança o livro Sabadoyle-Histórias De Uma Confraria Literária, com histórias e atas das reuniões literárias e culturais na casa do advogado carioca Plínio Doyle, os "Sabadoyles"

Por Agencia Estado
Atualização:

A editora Casa da Palavra e a Fundação Casa de Rui Barbosa lançam neste sábado, às 14h, o livro Sabadoyle-Histórias De Uma Confraria Literária, de Homero Senna, durante o evento em comemoração ao Dia Internacional do Livro nos jardins da Casa de Rui Barbosa. Os "Sabadoyles" foram os famosos encontros realizados durante 34 anos na casa do advogado Plínio Doyle que reuniam a nata da literatura brasileira da segunda metade do século, como Carlos Drummond de Andrade, Alphonsus de Guimaraens, Pedro Nava, Afonso Arinos, Lygia Fagundes Telles, Raquel de Queiroz e muitos outros. O livro traz os primeiros vinte anos de reuniões, com trechos de atas, comentários e curiosidades que vão trazendo a público os aspectos pessoais dos grandes escritores que freqüentavam a casa de Doyle e discutiam de tudo, "até literatura", como diz Homero Senna. Plínio Doyle sempre foi um apaixonado por livros e chegou a ter em casa uma biblioteca com mais de 25 mil volumes, muitos deles, obras raras. O acervo foi doado à Casa de Rui Barbosa. O diferencial da coleção, no entanto, era a grande quantidade de periódicos, o que atraiu Carlos Drummond de Andrade à sua casa. Os dois se conheceram na Editora José Olympio, para a qual Doyle advogava. "O Drummond, quando moço, lia o Fon Fon. Ele tinha fascinação pela revista. Eu creio que foi isso que o levou a casa do Plínio pela primeira vez", relembra Senna. Outros escritores, poetas, artistas e políticos, como o ex-ministro Marcílio Marques Moreira, começaram a freqüentar a casa, na Rua Barão de Jaguaripe, 64, em Ipanema. No final de 1964, estava nascendo o "Sabadoyle", nome depois escolhido por Raul Bopp. O grupo foi crescendo, junto com ele o acervo bibliográfico, e Doyle passou para um apartamento maior, na mesma rua, onde as reuniões se mantiveram até 26 de dezembro de 1998. "Eram encontros descompromissados onde se falava de tudo, cinema, teatro, literatura...menos política e religião", faz questão de frisar Plínio Doyle, aos 94 anos, dono de uma memória invejável. Ele conta que convidou o jornalista Homero Senna, participante dos "sabadoyles" desde 1967, para escrever um livro registrando as atas. Uma primeira edição não comercial foi patrocinada pela Xerox em 1985. O livro lançado pela Casa da Palavra preserva integralmente o conteúdo textual e a maioria das fotos da edição anterior. "É muito importante que isso venha a público. Não se pode escrever nada sobre a literatura desse período sem consultar as atas do ´sabadoyle´", comenta Senna, hoje com 81 anos. Até 1972 não havia nenhum registro das reuniões. A partir das lembranças de Plínio e Homero, o livro, ou "reportagem", como prefere o autor, foi nascendo em homenagem, na época, ao aniversário de 20 anos dos "sabadoyles". Divulgação/Da esquerda para a direita: Joaquim Inojosa, Raul Bopp, Plínio Doyle, Américo Jacobina Lacombe, Wilson Martins e Carlos Drummond de Andrade em reunião em dezembro de 72 Atas - As atas são verdadeiras obras-primas literárias. Registros em prosa e verso, conforme a vocação do autor. O convívio pessoal, os prêmios que os autores recebiam, as viagens, os movimentos culturais da época, nada escapava à conversa, que era ambientada na biblioteca de Doyle. Os aniversários e natais, mereciam reuniões especiais. Num dos mais belos trechos do livro, uma ata de Drummond inspirada pelas raridades bibliográficas que os cercavam, versa sobre o Natal de 1972. O poeta moderno se dá ao luxo da poesia rimada. "Dezembro, 23. Pelas estantes flui um rumor de vozes dialogantes. Esta, indecisa, em tom desconfiado, É, vê-se logo, do bruxo Machado: ´Mudaria o Natal, ou mudei eu?´ ´Não sei mestre respondeu-lhe Dirceu (o de Marília). Vale perguntar ao nosso prezadíssimo Alencar.´ ´Também não sei, vidrado em Iracema só penso nela, que é o maior poema (...)´" Drummond era tido como sisudo e de forte personalidade. Américo Jacobina Lacombe, diretor na época da Casa de Rui Barbosa e um dos mais assíduos "sabadoylianos", convidou o poeta para escrever o prefácio de um volume de poesias de Rui Barbosa. Tudo pronto para o lançamento, depois de ler os originais, ele negou-se a comentar o livro dizendo que sendo uma publicação oficial , não poderia dizer a verdade: a "poesia de Barbosa é muito ruim", conta rindo Plínio Doyle, lembrando que Drummond tinha suas manias, mas era uma pessoa agradabilíssima, um brincalhão. Como em toda história, também houve momentos tristes, como o episódio do suicídio de Pedro Nava. Homero Senna lembra-se que o escritor deixou a reunião dizendo que tinha de visitar seu amigo, o acadêmico Francisco de Assis Barbosa, que estaria ´deprimido´, segundo Nava. "Então, ele nos deixou e na segunda-feira, ficamos sabendo da tragédia", conta emocionado. Senna emociona-se também ao lembrar que Nava escreveu a ata da reunião no dia do aniversário de 80 anos de Drummond. "Essa não está no livro, mas é belíssima". Doyle também chora muito enquanto passa os olhos pelo livro, lembrando dos amigos, de um ambiente literário carioca que se perdeu no tempo. "O que sinto mais falta são as reuniões nas editoras, nas livrarias....", comenta. "Hoje ninguém tem mais tempo para nada, para ninguém", lamenta-se o bibliófilo. Graças a poetisa Silvia Jacinto está havendo um resgate do espírito literário do núcleo original de escritores. Ela mantém o grupo "Amigos do Sabadoyles", que faz reuniões literárias no primeiro sábado de cada mês. Além disso, há um projeto de edição das atas dos "sabadoyles", que encontram-se na Casa de Rui Barbosa, no Rio. O catálogo do acervo bibliográfico de Doyle está em fase de conclusão e o de periódicos já está em segunda edição, e conta inclusive com a coleção completa do Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo. A partir desse material o valor histórico da coleção poderá ser avaliada. Além de Sabadoyle-Histórias De Uma Confraria Literária, será lançado, no evento "Livros: Alegria de Ler", Dos Livros, de Edouard Rouveyre e o infantil Como Nascem Os Livros, de Angelina Bulcão. Durante toda a tarde uma equipe de recreadores vai promover atividades lúdicas envolvendo a história do livro. Livros: Alegria de Ler - 28 de outubro, das 14h às 19h, na Casa de Rui Barbosa -Rua São Clemente, 134. Tel. 537-0036. Entrada franca.

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