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Herói trágico

Elias Andreato dirige Édipo, versão do clássico de Sófocles

Por Maria Eugenia de Menezes
Atualização:

Talvez não exista história mais revisitada pelo teatro. Há séculos, desde que Sófocles eternizou o trágico destino desse herói grego, atores e diretores retornam constantemente a Édipo Rei: homem que, sem saber, casou-se com sua mãe e assassinou seu pai. O que Elias Andreato faz na montagem que abre temporada hoje no Teatro Eva Herz é entregar-se também a esse fascínio. Mas, para tanto, tratou de redesenhar Édipo segundo seu próprio olhar. Na peça - que fez sua estreia nacional no Festival de Curitiba -, Andreato não se contentou apenas em estar em cena. Além de assumir o papel do vidente Tirésias, também se encarregou de dirigir e adaptar a obra, dotando-a de traços mais afeitos ao gosto contemporâneo. Não que para isso tenha feito qualquer deslocamento temporal. Ao contrário, manteve a ação localizada na Grécia antiga. Soube, porém, limar tudo aquilo que pudesse soar acessório ou excessivo para os espectadores atuais. E condensou todos os vaivéns do texto original em uma versão que não excede uma hora duração. "Simplifiquei um pouco o coro, que é muito extenso. Hoje, a gente tem poucas referências dos deuses. Então, não adianta montar uma tragédia para as pessoas acharem que é algo chato", comenta o diretor. Tão determinante dentro das tragédias gregas, o coro ganhou novo colorido dentro do espetáculo. Sua função foi sintetizada pelo uso inspirado da música, que aparece na trilha original de Daniel Maia. Em cena, três atores (Nilton Bicudo, Clóvys Torres e o próprio Daniel Maia) manipulam acordeons e assumem a missão de inserir uma perspectiva coletiva que amplie o conflito individual. Sem cenário e com figurinos austeros, que igualam todos os personagens, a versão de Andreato faz uma clara opção pela força do texto. "Não queria ficar pensando em efeitos, em cenografia. A intenção era centrar nos atores, no essencial. Os personagens são todos fortes. A história é muito bonita. Não precisa de muita coisa", diz ele. O sentido da culpa. O público acompanha não só o terrível fim ao qual Édipo estava predestinado como também ao seu sentido paradigmático. Em sua mais bem acabada criação, Sófocles trata, sobretudo, do encargo da existência e do sentido da culpa. Ao matar o rei Laio, Édipo (interpretado por Eucir de Souza) não imaginava que se tratava de seu pai. Tampouco sabia que Jocasta (Tânia Bondezan), viúva do soberano assassinado, era sua mãe. A ignorância, contudo, não o exime da consciência do mal que provocou. Aterrado pelos seus crimes e pela catástrofe que se abateu sobre sua cidade, só resta a Édipo imolar-se, arrancando os próprios olhos. Distinta da moral que impera em nosso meio político, a ética de Sófocles é a da responsabilidade. Mesmo que tenha agido involuntariamente, cabe ao homem, e a ele somente, responder por seus atos.

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