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"Henry Fool", um filme diferente de Hartley

Obra do "Godard americano", que está sendo lançada em DVD, mostra sinais de que o cineasta inaugura uma nova fase

Por Agencia Estado
Atualização:

Durante muito tempo Hal Hartley resistiu à idéia de colocar cenas de sexo e violência em seus filmes. Achava que não tinha nenhuma contribuição a dar sobre os assuntos. O tipo de violência que o interessava era outro, mais íntimo e pessoal, baseado mais em relações traumáticas entre personagens do que em ações físicas. Hartley mudou. Há mais sexo e violência física em As Confissões de Henry Fool do que em qualquer outro filme que ele fez antes. Mas, claro, continua sendo um filme de Hartley. É um lançamento em DVD da Europa. Traz, entre os extras, entrevista com o diretor, notas de produção e informações sobre Hartley e seu elenco. Embora mais emocional do que os anteriores, Henry Fool não busca a emoção fácil. O pós-moderno Hartley, afinal, já foi chamado de "Godard americano". De certa forma, desconstrói narrativas convencionais pelo simples fato de introduzir momentos inesperados. Eles não faltam na história do sujeito com alma de andarilho que chega a uma pequena cidade. É difícil saber exatamente quem é Henry. Também não interessa muito saber se vigarista, gênio ou megalomaníaco. O importante é o efeito da presença de Henry sobre uma família desestruturada, especialmente no filho, que trabalha como gari. Henry fala tanto no livro que está escrevendo que desperta o desejo de Simon, o gari, de também escrever. O livro de Simon estoura na mídia, sendo considerado uma manifestação autêntica das vozes marginalizadas da América. Hartley exercita mais uma vez aquela fria ironia que é sua característica. Seu filme ganhou o prêmio de roteiro no Festival de Cannes. Talvez não seja realmente um grande roteiro, mas a inversão que se estabelece no desfecho é intrigante. O cineasta começou no cinema estabelecendo uma estética. Desde o início, definiu um tom, uma forma de enquadrar, de usar os atores. Sua temática, um tanto vaga, ficou durante muito tempo confinada aos envolvimentos afetivos entre rebeldes. Hartley muda um pouco em Henry Fool, sem renunciar ao minimalismo que lhe é intrínseco. De todos os seus filmes, além de se expressar mais do que os outros no plano da emoção, Henry Fool revela que o diretor está interessado em ampliar o leque de suas preocupações. Há uma ética embutida na história e ela fala sobre os pequenos-burgueses americanos em relação à própria cultura (e à celebridade). Há problemas que não podem ser negligenciados em Henry Fool. O filme dá a impressão de ser mais longo do que realmente dura e também não trata de forma convincente os problemas de tempo e espaço - e a narrativa, desta vez, cobre um espaço muito maior de tempo. Resulta uma certa sensação de gratuidade, expressa de forma mais radical numa cena um tanto surpreendente para um discípulo de Godard e Robert Bresson. Numa cena, o personagem vai ao banheiro. O espectador acompanha, pelo som, os seus, digamos, esforços. Por conta disso, Henry Fool é o filme mais escatológico de Hartley. Possui qualidades, mas corre o risco de decepcionar os fãs de carteirinha do autor sem somar outros ao culto que faz dele, com Jim Jarmush, a dupla mais quente da produção independente americana, surgida nos anos 1980. Serviço - As Confissões de Henry Fool (Henry Fool). EUA, 1998. Direção de Hal Hartley. DVD da Europa. Já nas lojas. Preço médio: R$38,90

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