Hemingway ainda assombra

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Por Agencia Estado
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No início, ele foi transformado em grife. Linhas de roupas masculinas e drinques foram batizados com seu nome. Nos anos 80, com a emergência dos estudos culturais nas universidades americanas, ele se tornou uma das vítimas preferidas dos apóstolos politicamente corretos, que o acusavam de machista, impiedoso com os animais e porta-voz de mensagens violentas. Nesta semana, sua imagem voltou a ser arranhada com a revelação de documentos que provam seu envolvimento com espionagem. Quase 50 anos depois de meter uma bala na cabeça, Ernest Hemingway (1899-1951) continua a tirar o sono dos seus biógrafos. ?O problema é que ele se transformou em uma espécie de santo dos tempos modernos. Parece que agora está sendo satanizado?, diz Silviano Santiago, escritor e professor de Literatura. Santiago pertence a uma geração de jovens literatos que dormia e acordava com livros de Hemingway na cabeceira. O estilo econômico, seco, sem adjetivações, foi incorporado por nomes como Fernando Sabino, Rubem Fonseca, Ivan Angelo, e José Louzeiro, entre outros, cansados dos arranhões gramaticais dos modernistas e encantados pelo coloquialismo jornalístico do autor de O Velho e o Mar. O escritor americano não era apenas um herói literário. Seu estilo de vida também fascinava. A ponto de embalar os sonhos do jovem iniciante Roberto Drummond, na década de 60: ?Eu não apenas queria escrever como ele, como também viver como ele.? As recentes manchas na biografia do romancista atrapalham um juízo menos apaixonado de sua obra, na opinião do crítico literário Wilson Martins. ?Ele está sendo vítima de sua época, cheia de ativistas feministas e ecologistas?, diz. Martins acredita que sem essas distorções a posição do escritor subiria no ranking. Luis Fernando Verissimo devorava livros de Hemingway na juventude. Hoje confessa ter perdido o interesse. ?Acho que a prosa dele envelheceu. Sua influência maior é estilística?, diz. Opinião endossada por Silviano Santiago, para quem até hoje o americano cria discípulos na forma. No ano passado, quando o centenário de nascimento de Hemingway foi celebrado, perdeu-se uma grande chance de se reavaliar criticamente o legado do escritor, segundo Drummond. As análises literárias foram mais uma vez contaminadas pelas façanhas do combatente da Primeira Guerra, ativista na Guerra Civil espanhola, correspondente na Paris vanguardista da década de 20 e do caçador nas savanas africanas. O rol de aventuras no qual se meteu, ou diz ter se metido, ofuscou novamente o valor da obra.

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