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Harris Kondosfyris, único artista grego na Bienal

"Atenas-Pequim", aborda a migração e a intolerância na sociedade, e é o resultado da interação entre três artistas de sua geração

Por Agencia Estado
Atualização:

Harris Kondosfyris fez bom proveito de seu espaço no "Território Livre" - tema da 26.ª Bienal de São Paulo, aberta até dezembro no Parque do Ibirapuera, com entrada franca. Em uma das salas-labirinto do 3.º andar do Pavilhão da Bienal, no Ibirapuera, na zona sul de São Paulo, o artista plástico grego ergueu "Atenas-Pequim", em que investiga questões relativas à comunicação humana e ao autoconhecimento ao explorar o tema da migração. A inspiração foi o massacre dos estudantes chineses que pediam democracia e a abertura econômica na Praça da Paz Celestial, em 1989, que chocou o mundo. O artista apontou a contradição: ao mesmo tempo que os manifestantes eram violentamente reprimidos em Pequim, o governo permitia o início da transformação de Xangai no grande centro capitalista que é nos dias de hoje. A preocupação com a comunicação e o autoconhecimento teve origem em uma experiência pessoal do artista, a saída da Grécia para viver no Zaire, na África. No retorno, se viu como um "estrangeiro" na própria pátria. Simultaneamente, começou a observar os sentimentos dos que vinham de fora em busca de melhores condições de vida no Ocidente. Após a queda do Muro de Berlim, também em 1989, a Grécia recebeu um grande contingente de pessoas que abandonaram o Leste Europeu - poloneses, búlgaros russos e húngaros, entre outros. Esta mistura de gente com emoções e conhecimentos tão diversos formou um caldo multicultural que Kondosfyris transpôs para uma obra executada em três meses. O projeto estava engavetado há 12 anos. Único representante da Grécia entre os 135 artistas de 60 países participantes no evento, o artista de 39 anos dividiu a obra em duas partes: "A Arca do Migrante" e o "Coração das Trevas". Ao entrar na sala da exposição, à esquerda o espectador se depara com a "Arca", uma instalação gigante, de madeira pintada e cimento plastificado, envolvida por uma dualidade de cores - vermelha e negra - que provoca uma ilusão óptica acerca da ambigüidade do tempo. A pergunta é: está escurecendo ou amanhecendo? O "teatro de sombras" refletido em si mesmo foi escolhido pelo artista para simbolizar a forte identidade cultural dos chineses, que não se deixa invadir por nenhuma outra. Na terra considerada o "berço da Antigüidade" e que abrigou a mais recente Olimpíada, vivem muitos imigrantes, vindos do já citado Leste Europeu e de outros países - Grã-Bretanha, França, Itália. Só que eles não se diferenciam na sociedade. O chinês começa a se distinguir a partir de sua aparência física, passando por suas tradições e costumes. "Assim percebemos como uma pequena comunidade se destaca no contexto de uma sociedade estabelecida há mais tempo. Esta é a idéia do território livre: estar dentro de algo que já existe e propiciar novas formas de ver a vida", raciocina Kondosfyris. Múltiplas sensações - Harris Kondosphyris compartilhou sua obra com outros três artistas de sua geração para oferecer ao público o que chama de "experiência multissensorial". Especialista em música eletrônica, o greco-alemão Vassilis Kokkas ilustrou a "Arca do Migrante" com um som resultante da combinação de um "ruído vazio" com diversos outros encontrados no espaço. O que significa isso? "Procurei captar o barulho coletivo, o individual e o cósmico - das ruas, das pessoas, dos objetos - e fundi-los em uma só unidade sonora", explica. Por sua vez, o biólogo Orestes Davias, de origem greco-austríaca, se empenhou na tarefa de criar um aroma para captar o olfato do visitante e prendê-lo à obra. Panos Bosnakis, metade grego e metade americano, é o responsável pela "poesia de eventos", um estilo experimental da arte poética, que ajudou Kondosphyris a melhor conceber sua criação. Este conjunto teve a pretensão de criar o que os artistas definem como "pontos de encontro para todos os forasteiros, diferentes e semelhantes, que permanecem sendo estrangeiros e emigrantes à semelhança das nossas identidades culturais, superstições e pontos de vista. Estes elementos sempre farão parte da nossa bagagem social e emocional." Kondosphyris acredita que cada um ofereceu o que tinha de melhor e houve um encaixe perfeito no final. Para falar disso, fez uma comparação envolvendo o Brasil, lugar que visita pela primeira vez: "A exemplo deste País, que mesmo com todos os problemas acaba proporcionando muitas coisas boas, meus colegas viveram isso, mas se empenharam fortemente no processo criativo". Espelho - "Coração das Trevas", o segundo componente da instalação "Atenas-Pequim" é um imenso painel de chapas de aço inoxidável, em que inúmeras figuras humanas de tamanho natural se projetam através de entalhes, rachaduras e emendas. A obra convida o espectador a refletir sobre as delícias e encrencas de um mundo cada vez mais globalizado e multicultural. "É um belo e perigoso espelho, em que as pessoas podem perceber a si mesmas", diz o criador. A instalação, que não pode e nem deve ser tocada, apresenta detalhes em lâminas de aço projetadas para a frente. É a parte dura, cortante, que machuca. Tradução: o convívio de tanta gente diferente e igual ao mesmo tempo, sob vários aspectos, traz inevitáveis conflitos e intolerâncias. A historiadora e crítica de arte grega Irini Savvani, curadora da exposição, dá sua interpretação: "No seio das sociedades do século 21, fortemente caracterizadas pela dimensão multicultural, a questão da convivência com o ´estrangeiro´ adquire uma importância primordial. A verdadeira globalização não é a política e econômica, mas sim aquela em que a aceitação da diferença e a compreensão da falta de semelhança traz o reconhecimento de que cada um de nós é um estrangeiro". "Atenas-Pequim" Instalação interativa de Harris Kondosphyris - Bienal Internacional de São Paulo, Parque do Ibirapuera, s/n - 3º andar. Harris Kondosphyris - site www.harriskondosphyris.com. 26.ª Bienal Internacional de São Paulo www.bienalsaopaulo.org.b

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