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Grupo XIX de Teatro apresenta peça 'Arrufos' na Vila Maria Zélia

À luz de abajures, pemiado grupo fala sobre as relações amorosas no séculos 18, 19 e 20

Por Beth Néspoli
Atualização:

Provoca forte impacto visual a arquibancada vermelha, quatro faces ligadas na parte de cima por passarelas de ferro trabalhado, que serve a um só tempo de abrigo para o público e palco para Arrufos, o novo espetáculo do Grupo XIX de Teatro, que estréia neste sábado, 16, na Vila Maria Zélia. Ao sentar-se num dos quatro cantos daquela instalação que parece muito antiga, toda enfeitada com pequenos abajures acesos e almofadas de pano colorida, o espectador tem vontade de esperar um bom tempo pelo início da peça, só para melhor apreciar o cenário.   Veja também: Galeria de fotos do ensaio da peça 'Arrufos'  Leia trecho do livro que inspirou a peça 'Arrufos'    "Chegamos na era da luz elétrica", brinca o diretor Luiz Fernando Marques, referindo-se aos espetáculos anteriores do grupo - Hysteria e Hygiene - que eram feitos à luz do dia, natural. "Se escolhemos falar de amor, não tinha jeito, tínhamos de ir para a noite." Bem, eles chegaram à eletricidade, mas de forma ainda bem delicada. Toda a iluminação vem desses abajures, que o próprio público apaga no início da apresentação e, aos poucos, voltam a ser acesos pelos atores.   Arrufo significa briga sem importância entre pessoas que se amam. O título da peça foi inspirado numa pintura do século 19, mas as fontes de pesquisa são diversas, da historiografia à literatura, além da vivência dos atores. "Foi o espetáculo que mais provocou discussão entre nós", diz Paulo Celestino, um dos integrantes do grupo formado por três atores e três atrizes, em conversa após o ensaio. "Nas peças anteriores o tema era social, político, e nossas idéias convergiam", observa Rodolfo Amorim. "Antes o processo de criação era quase militância", completa Ronaldo Serruya. "Desta vez as divergências foram muitas", diz Janaína Leite. "Cada um de nós tinha uma visão diferente sobre o que é o amor", explica a atriz Sara Antunes.   A principal fonte de inspiração foi o livro História do Amor no Brasil, de Mary del Priore, Editora Contexto. "Claro que foi um ponto de partida para os exercícios de criação (texto e concepção do espetáculo são assinados coletivamente, por todo o grupo), mas foi um livro fundamental para trabalharmos sobre a idéia do amor como uma construção, que muda em diferentes culturas e ao longo do tempo", diz Marques. "Como o tema era amplo, fizemos um primeiro recorte, que foi optar pelo amor da norma, ou seja, do casal, homem e mulher."   No espetáculo, o ponto de partida é a relação amorosa no século 18. Nesse recorte temporal, toda a ação concentra-se no centro da cena - onde um patriarca agoniza em sua cama cercado da esposa, filhos e criados - e é como se a arquibancada que sustenta o público fizesse o papel de ‘parede’ da alcova. É uma massa compacta formada por móveis - cama, escrivaninha, criado-mudo, baú - e atores, o que sublinha a rigidez das normas conjugais da época.   Um padre marca presença no retrato desse tempo onde o casamento é contrato assinado para toda a eternidade. "A transgressão fica por conta da relação extraconjugal", comenta Marques. Mas se a liberdade de buscar satisfação amorosa fora do casamento era dada aos homens, curiosamente, nesta cena, o grupo prefere dar a palavra à amante desse patriarca e ao seu criado. E por meio do que ela fala, é interessante notar que há duas opções claras nesse tempo: a relação socialmente aceita ou a busca pelo objeto do desejo.   A idéia romântica de amor, conceitos como ‘o homem ou a mulher da sua vida’, a cara-metade, só vão aparecer na etapa seguinte da peça, no século 19, quando a alcova se abre, os atores se espalham pelo ambiente e as cortinas que envolviam o leito ganham outras funções, como no filme que é um clássico do romantismo ... E o Vento Levou, uma das boas sacadas do diretor de arte Renato Bolelli Rebouças.   "A nossa primeira observação nesse processo foi como a forma de lidar com o amor é acumulativa; uma nova visão do amor não exclui a outra", diz Marques. Isso significa que continuamos desejando um contrato perene como o que ditava a religião católica, porém numa relação amorosa nos moldes do romantismo e com a liberdade experimentada no século 20. "Ou seja, queremos simplesmente tudo", brinca a Juliana Sanches, que integra o elenco de três atrizes e três atores. "Mas tomamos cuidado para não fazer julgamentos. Procuramos explorar a dor e a delícia de cada forma de amor, em cada época."

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