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Grupo expõe questão da dança como mercadoria

O espetáculo do grupo Quadra Pessoas e Idéias ajuda a pensar quem, quais objetos, quais ocupações e quais competências podem povoar a dança

Por Agencia Estado
Atualização:

As perguntas se estabelecem já de início: será a dança o lugar do sonho, da fantasia, do faz-de-conta? Pode o corpo simular fazer algo diferente daquilo que está mostrando? É possível reduzir a taxa de dominância das representações simbólicas em um espetáculo de dança? Aliás, como é mesmo o contrato que rege um espetáculo de dança? Quando ele começa? Quando acaba? A obra estreada pelo grupo Quadra Pessoas e Idéias, 35 + 10 = Processo de Comunicação para Cães Domésticos, trata disso tudo e de muito mais. As questões que propõe são muito sintonizadas com o que vem ocupando os artistas da dança: a imobilidade deixa de ser o contrário do movimento, o que promove uma indiferenciação incômoda; as hierarquias que separam o útil do inútil, e a arte da vida são desprezadas; o descompromisso da música em ser comentadora das ações da dança, ou uma espécie de tapete onde depositar passos, ou leitmotiv de personagens de uma dramaturgia. Passos e gestos não são tratados como material adequado para formar frases coreográficas, que vão entretecendo um texto próprio e permanecem em estado de gestação de uma organização que se mantém aberta. Parece que os movimentos são começados para serem abandonados depois de testados em uma situação montada para esse fim. A dancinha de Rodrigo Chiba, que nunca se monta, é um bom exemplo disso. E também a série onde Marcelo Proença experimenta a medida e a proporção no corpo de Rodrigo. A Quadra Pessoas e Idéias sabe, tão claramente, que tipo de cumplicidade espera de nós, que cuida de nos avisar, através de frases pregadas na parede e na pilastra da Galeria Olido, que "significados e sentidos vão sendo tecidos ao longo do tempo. O sentido vem depois". É com o jogo que montam com essas frases ainda na cabeça, que se encontra a primeira cena do 35 + 10, em que Marcelo Proença descreve ações diferentes das que mostra, declamando um texto oral inteiramente inaplicado em sua movimentação. Trabalham com humor e com rigor o papel do espectador consumista, aquele para quem a compra do ingresso significa um passe livre para a postura passiva à espera do produto que o vai entreter, distrair e divertir e, para tal, deve ser oferecido nos padrões que o consumo publicitário o adestrou. Tanto o começo quanto o fim se dão fora da relação palco/platéia. Eles expõem com muita clareza a questão da dança como mercadoria (que se pesa, se mede ou precisa durar um certo tempo). 35+10 ajuda a pensar quem, quais objetos, quais ocupações e quais competências podem povoar a dança. Lá pelo meio do trabalho, surge uma questão meio síntese. A certa altura, Rodrigo diz a Marcelo, comentando a dança que ele fazia: "Eu entendi o que você fez porque eu vi ou porque esta última vez foi melhor?" A frase é uma sirene disparada em direção às nossas ansiedades por respostas precisas, imediatas e verdadeiras. Temos de domesticá-las e, nessa operação, vale lembrar que significados e sentidos vão sendo tecidos ao longo do tempo. O sentido vem depois. Ou, quem sabe, sejam os significados a vir depois.

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