Gravuras revelam o gênio de Rembrandt

Seleção de 83 obras, em exposição no Centro Cultural Banco do Brasil, mostra como o mestre holandês conseguiu transformar a técnica da gravura em arte

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

A grandiosidade da obra gráfica de Rembrandt Hermanszoon van Rijn (1606-1669) é um fato incontestável, repetido há séculos nas salas de aula e manuais de história da arte. Também são incontáveis o número de reproduções e cópias feitas das obras de sua autoria nestes quase quatro séculos que nos separam de seu nascimento. Mas somente diante dessas pequenas jóias da arte mundial, ao alcance do olhar do público paulistano a partir de sábado, no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), com entrada franca, é possível sentir o que a razão já sabia, perceber como Rembrandt conseguiu transformar a técnica da gravura em arte, usando a liberdade do traço e a combinação dos campos de luz e sombra para criar uma gama impressionantemente diversa e rica de composições. Ao todo, Rembrandt deixou aproximadamente 290 gravuras, das quais 83 estarão na atual exposição - a mostra já foi vista anteriormente em Buenos Aires e Brasília. A seleção provém do Museu Casa Rembrandt, de Amsterdã, que ocupa a mesma casa em que o artista viveu por quase 20 anos, deixando-a em 1656 em decorrência dos problemas financeiros que o levaram à falência (não apenas a obra, mas também a vida de Rembrandt é rica e plena de emoções). A instituição, atualmente em reforma, ajudada pelo curador Pieter Tjabbes, procurou selecionar um panorama bastante diverso de trabalhos nos quais está representada uma ampla gama de técnicas e temas. A exposição, cuja iluminação é bem fraca por motivos de conservação das frágeis obras sobre papel, tem início com uma pequena seleção de cinco auto-retratos, tema que lhe era bastante caro, já que o artista costumava treinar sua capacidade de captar as mais diferentes emoções e expressões faciais retratando-se a si mesmo das mais diversas maneiras. Em seguida, vem o núcleo normalmente mais valorizado de sua produção gráfica, as obras de cunho religioso. Afinal, nas representações do Velho e do Novo Testamento, o mestre do barroco holandês encontra um terreno fértil para mostrar toda a sua capacidade de recriar por meio de uma trama intrincada e detalhada de traços uma grande potência dramática. Em O Sacrifício de Abraão, de 1655, tem-se a impressão de ver o esforço que o anjo tem de fazer para conter o braço do patriarca, que já se preparava para degolar Isaac. Nas obras que se desenham em meio à trama enegrecida, rompida apenas pelo foco tênue de uma lanterna, como A Fuga para o Egito à Noite (1951), sua capacidade de transmitir a emoção é ainda mais surpreendente. Em meio à noite cerrada, sentimos a exaustão de José, Maria e do burrico que a transporta, em seu esforço de salvar o menino Jesus da fúria de Herodes. Mas na exposição também há momentos mais suaves e líricos, como as cenas de gênero, os estudos de nu, os retratos de familiares ou personalidades de seu mundo - com atributos de sua profissão, o que os tranforma em interessantes documentos sobre hábitos e costumes da época -, e as belas paisagens, nas quais é possível identificar (de preferência com a ajuda de uma lupa) detalhes encantadores, como o casal que namora escondido atrás de uma árvore em Omval (1645). Afinal, como escrevem os curadores Ed de Heer, do museu holandês, e Pieter Tjabbes, "qualquer tema poderia ser representado em suas gravuras, até mesmo cenas vulgares como camponeses fazendo sexo ou urinando". "Influenciado pelo chiaroscuro de Caravaggio e pelo drama e escala do Barroco, ele apresentou uma interpretação extremamente pessoal na escolha de temas e técnicas. Em sentido amplo, tomou a natureza como guia, concentrando-se sobretudo na natureza humana", resumem eles. Essa sensibilidade de Rembrandt, associada a um virtuosismo técnico admirável (ele revolucionou o uso da água-forte de forma a permitir um traçado bem mais livre, próximo ao do desenho, e combinou diversas técnicas de gravar, como as belas composições em que associa a água-forte e ponta seca, obtendo um resultado impressionantemente drámatico e detalhado para trabalhos de tamanho tão pequeno) fez com que ele obtivesse um grande sucesso em seu tempo e nos séculos subseqüentes. Para permitir uma melhor compreensão de sua importância histórica, foi organizada em paralelo à exposição de suas obras, uma mostra com 40 trabalhos de antecessores, contemporâneos e sucessores do artista. Dentre eles está Picasso, que deixa evidente num pequeno estudo da década de 30 toda a sua admiração pelo gênio do mestre holandês. Para resgatar o efeito da exposição sobre o público, também está sendo proposto pelo serviço educativo do CCBB um trabalho em ateliê, subseqüente à visita e que será realizado por todos aqueles que já tiverem agendado visitas monitoradas. Rembrandt e a Arte da Gravura. De terça a domingo, das 12 às 18h30. Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112, tel. 3113-3651. Até 3/11. Abertura sábado, às 11 h. Patrocínio: Banco do Brasil.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.