* É verdade que a crítica que se fazia ao quarteto, a de ser refinado demais, era imerecida. A grande mágica do Quarteto de Jazz Moderno e a razão do seu sucesso artístico e comercial era a combinação do estilo de Lewis, tão evocativo do espírito barroco que ele às vezes preferia o cravo ao piano, e o estilo do vibrafonista Milt Jackson, um dos grandes improvisadores da história do jazz e um blueseiro autêntico. Lewis e Jackson formavam uma paradoxal dupla de contrários que se completavam, e há poucos prazeres musicais maiores do que ouvir o vibrafonista se soltando em cima de um bem pensado “riff” de apoio do pianista. Mesmo assim, a declaração de Lewis sobre Coleman pareceu estranha. Especulou-se que o que ele quis dizer foi que seu quarteto representava o fim de um tipo de jazz, “com alma”, mas racional, antes da chegada dos libertários estridentes. Algo como “depois de nós, o dilúvio”.
* Gosto é o que mais se discute, e alguns gostos são difíceis de explicar. O trompetista Miles Davis tocou com alguns dos melhores pianistas do seu tempo (Bill Evans e Keith Jarrett, para citar só dois). Supõe-se que os convocou para apresentações dos seus lendários grupos e para suas gravações antológicas. Mas Miles era, notoriamente, fã de Ahmad Jamal, um bom pianista, mas de segundo time. Nunca, que eu saiba, tocou com ele, mas o elogiava e dizia que sua baixa cotação entre os críticos, apesar da sua popularidade, era injusta. Uma possível interpretação para a opinião insólita de Miles seria que, elogiando Jamal, que usava muito espaços de silêncio nas suas interpretações, estivesse mandando um recado velado para seus pianistas, pedindo mais silêncios e menos virtuosismo. Miles era um mestre dos silêncios bem espacejados.
* Pensei em tudo isto revendo na TV o excelente documentário sobre o Nelson Freire feito pelo Waltinho Moreira Salles. A certa altura do filme, Freire confessa que tem muita inveja dos pianistas de jazz, e dá como exemplo de quem gostaria de ser... o Errol Gardner. Tudo bem. Gardner tocava com a alegria que Freire admirava. Era um dos mais bem-sucedidos músicos americanos da sua época e agradava a todo tipo de plateia, não apenas aos aficionados do jazz. Seu sucesso como compositor (é dele o Misty) também contribuiu para sua popularidade. Mas nenhum crítico sério o colocaria entre os grandes. Mais compreensível seria se Freire – que saberia como ninguém identificar os maiores no seu instrumento – escolhesse a mistura de técnica impecável, criatividade e sentimento de um Oscar Peterson, por exemplo. Quem explica?