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Giordano: uns dos Quixotes brasileiros

O bibliófilo, tradutor e editor fundou e dirige a Oficina do Livro Rubens Borba de Moraes, instituição que pretende sacudir o meio literário nacional com promoção de debates, cursos e edições de obras

Por Agencia Estado
Atualização:

A iconografia da ampla sala repleta de estantes onde cerca de 10 mil volumes da Oficina do Livro Rubens Borba de Moraes resume-se a poucas imagens, mas uma delas logo chama a atenção do visitante. Numa das paredes, a gravura mostra um esquálido Quixote montando um anguloso Rocinante. A imagem, escolhida para logotipo da oficina, traduz fielmente o espírito e a determinação do bibliófilo, tradutor, editor e presidente da entidade, Cláudio Giordano. A Rubens Borba de Moraes nasceu há cerca de um ano e hoje ocupa uma casa na Vila Mariana construída pelo arquiteto Rino Piva, na década de 40, a pedido do artista plástico Samsom Flexor para servir como dormitório e ateliê. Flexor sacudiu o insípido cenário artístico nacional com suas telas abstratas, assim como Giordano procura sacudir o mercado editorial e sua postura de indiferença em relação ao patrimônio cultural brasileiro. A oficina, cujo nome homenageia um dos maiores bibliófilos e bibliógrafos do País, quer se transformar em um espaço de leituras e discussões de obras e em centro de divulgação de técnicas de editoração e questões referentes ao livro e sua realização. Há também projetos de realizar edições utilizando as obras do próprio acervo. Dois volumes editados com o selo da oficina dão bem a medida da importância das iniciativas de Giordano: Conversa de Livraria, de Carlos Drummond de Andrade, e Tirant lo Blanc, de Joanot Martorell. O primeiro reúne pequenos textos críticos do poeta mineiro escritos com pseudônimos para dois periódicos do Rio de Janeiro no início da década de 40. Já o romance de cavalaria de Martorell (editado no fim do século 15) , considerado por Cervantes como o melhor livro já publicado no mundo, é vertido pela primeira vez para o português do catalão medieval. O autor da tradução, com mais de 900 páginas, é o próprio editor, Cláudio Giordano. Cavaleiro solitário - De estatura baixa e fala pausada, Giordano quer ser reconhecido como um editor ?nanico? ? alusão ao nome da publicação de um boletim bibliográfico que ele vem editando há anos. Como escreveu o crítico literário João Alexandre Barbosa, não há nada de nanico no projeto intelectual e editorial de Giordano. Bastaria a imensa tarefa de traduzir Martorell, consagrado com o Prêmio Jabuti, para colocá-lo no altar dos benfeitores da cultura brasileira. Mas ele, como o Cavaleiro da Triste Figura de seu amado Cervantes, persegue sonhos muito mais altos. Nascido em São Paulo em 1939, filho de um imigrante operário italiano e de uma dona de casa brasileira, a vida de Claúdio Giordano mudou quando ele entrou no seminário da Arquidiocese de São Paulo, aos 11 anos. ?Foi um privilégio estudar ali?, diz. Durante os sete anos lá vividos, ele aprendeu latim, grego, francês, italiano e inglês. Giordano largou a batina antes mesmo de vesti-la, quando fazia os preparativos para ingressar no Seminário Maior e tornar-se padre. Casou, trabalhou em uma fábrica de cerveja, numa firma de engenharia ? onde se viu ?constrangido?? a realizar um curso superior (administração) ? até chegar à Editora Abril, no fim da década de 70. Ali traduziu livros para a coleção Os Pensadores. No final da década seguinte, trabalhou na livraria de Pedro Corrêa do Lago por dois anos e ali desenvolveu seu primeiro projeto editorial, a Coleção Memória. ?Como ninguém queria bancar a série, saí e fundei a Giordano.? Dez anos depois, a editora tem mais de cem títulos publicados e a coleção idealizada por seu dono já chegou ao 24.º volume. Mas Giordano não ficou satisfeito porque editava vários títulos, segundo ele, apenas para seguir com a Coleção Memória. A tradução e edição de Tirant lo Blanc convocou os brios do cavaleiro Giordano depois que a Companhia das Letras recusou publicá-la. Ele foi buscar subsídios junto ao governo espanhol para levar a cabo a tarefa e editar o livro sozinho. Moinho de vento - O novo moinho de vento a ser enfrentado pelo Quixote paulista agora é arrancar recursos para pagar o aluguel da casa onde a oficina funciona. Quando se mudou para lá, ele conseguiu dinheiro junto a empresas, mas apenas o suficiente para manter a entidade por um ano, prazo que vence em janeiro. Mas Giordano parece nunca desesperar e teima em dizer que a modéstia não o atrapalha. A Rubens Borba de Moraes tem 137 sócios que colaboram com a insignificante quantia de R$ 5. ?Falta empenhar-me em uma campanha mais ampla?, reconhece. Para Giordano, os livros são muito mais que um repositório de cultura: são um meio de aproximar os homens e torná-los melhores. Com relação ao seu fascínio por Quixote, ele diz não se lembrar quando foi a primeira vez que tropeçou em sua figura. O fato é que, quando o leu, identificou-se com sua forma de trabalhar e perseguir ideais: ?Cervantes me ensinou a realizar aquilo que é o seu ideal, e o meu é ajudar os outros por meio dos livros?.

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