PUBLICIDADE

Ginsberg, o poeta e a câmera

Mostra em NY revê a história e os protagonistas da geração beat e uma era chegando e partindo

Por Holland Cotter
Atualização:

O poeta Allen Ginsberg (1926- 1997) adorava a vida, temia a morte e almejava a fama. Ele estava constantemente escrevendo, lecionando, viajando, se relacionando, caçando amantes e drogas, defendendo causas políticas e promovendo a obra de amigos escritores. No início da década de 1950, ele começou a fotografar esses amigos. Anos depois, essas imagens se tornaram mais formais e artísticas, como se tentasse congelar as faces e a glória de seus objetos.Cerca de 80 fotos foram expostas na National Gallery of Art de NY. Algumas são familiares; outras raramente foram vistas. O que se há nesses registros são lendas tomando forma, belezas fenecendo, uma era americana chegando e partindo.Ginsberg começou a crônica fotográfica do que viria a ser a geração beat em 1953, quando estava perto dos 30 anos. Ele havia conhecido as personalidades capitais do grupo - William S. Burroughs, Gregory Corso, Jack Kerouac - desde seus dias de estudante em Colúmbia. Ele os via como uma nova vanguarda literária. A obra que eles estavam fazendo no início dos anos 50 parecia confirmar sua fé. Suas primeiras fotos, tiradas com uma Kodak de segunda mão, projetam confiança.Vemos figuras que se tornariam monumentos culturais. Numa foto conhecida, Kerouac fumando e meditando já é um herói romântico, mas em outra ele faz um "rosto transtornado de Dostoievski", para citar a legenda de Allen Ginsberg. E vemos também uma versão surpreendentemente sedutora de Burroughs. O mundo viria a conhecê-lo como uma presença soturna metida em ternos executivos, mas Ginsberg o fotografou deitado na cama como uma odalisca seminua olhando para a câmera. Quando a foto foi tirada, eles eram amantes, com Burroughs apaixonado e Ginsberg mais interessado em editar o novo romance de Burroughs, Queer.Em dezembro de 1953, surgiram grandes mudanças. Burroughs partiu para o Marrocos. Ginsberg caiu na estrada e depois parou em São Francisco. Ali, em 1954, ele conheceu o adolescente Peter Orlovsky, que viria a ser o parceiro de sua vida. Quando Ginsberg leu pela primeira vez seu lancinante poema antiestablishment Uivo para uma plateia em São Francisco, em 1955, ele se viu instantaneamente famoso. Quando apareceu o livro, tornou-se notório. Agentes da Alfândega americana apreenderam uma segunda impressão da obra e acusaram seu editor, o poeta Lawrence Ferlinghetti, de venda de literatura obscena. Ferlinghetti foi absolvido, mas o julgamento de 1957 pôs o fenômeno beat no mapa da contracultura. Ginsberg estava fora do país durante a agitação, fotografando. Vemos seus retratos de Burroughs e Paul Bowles em Tânger, depois, de Corso em Paris. Nos meados dos anos 60, a produção de fotos diminuiu. Ainda há algumas ótimas: uma de Orlovsky nu "plantando bananeira" e um retrato final de Kerouac no início dos 40 anos, encharcado de álcool, quase irreconhecível. Mas, em algum ponto, Ginsberg abandonou a fotografia.Duas décadas depois, porém, ele pegou novamente a câmera de maneira séria. Em 1983, ele reviu imagens dos anos 50 e percebeu que estava com a história nas mãos. E, mais consciente do passar do tempo e da importância crescente que o movimento beat havia adquirido, quis preservar aquele passado e estendê-lo por meio da fotografia.Segunda carreira. Decide então comprou uma câmera nova e passa a reproduzir velhas imagens em formatos maiores e com espaço em branco nas margens para anotações, que datam dos anos 80 em diante. Não demorou para expor e - o que não é algo menor para ele, que sustentava muitos amigos - vender obras. Era a sua segunda carreira.É de 1987 uma imagem dolorosa de Peter Orlovsky. Ele está sentado ao lado da mãe, um irmão e uma irmã, que mostram profundos olhares assustados. Todos têm doenças mentais.E há ainda as imagens tardias, dos anos 80, não dramáticas, domésticas. Numa delas, ele escreveu: "Sentei-me por décadas durante o chá da manhã olhando pela janela de minha cozinha" e "um dia reconheci meu próprio mundo, o pano de fundo familiar, o gigante jardim de Atlantis murado com tijolos úmidos". É um mundo diferente do que vemos no restante da mostra, simples, calmo. Na arte, por um momento, Ginsberg serenou. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIKQUEM FOIALLEN GINSBERGESCRITORCom fãs como Jim Morrison e The Clash, Irwin Allen Ginsberg descobriu a poesia, via Walt Whitman, na escola secundária. A infância foi sofrida por causa da doença mental da mãe, e suas palavras de ordem eram sexo, drogas e literatura. Por causa de complicações de uma hepatite, desenvolveu câncer no fígado, que o levou à morte.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.