Gerswhin improvável e iluminado

Dois italianos e uma orquestra alemã fazem registro da Rhapsody in Blue

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Por João Marcos Coelho
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Você olha a capa do CD e não acredita: o que estão fazendo ali, ao lado de Gershwin em tamanho maior, a vetusta Orquestra do Gewandhaus de Leipzig e Riccardo Chailly? E o pianista italiano de jazz Stefano Bollani?Não, a Decca não se enganou. Uma das mais recentes gravações da Rhapsody in Blue - deve ser a milésima, já que só a Amazon contabiliza 987 - reúne esses improváveis parceiros. Lançada na Europa e nos Estados Unidos, tem tudo para se transformar num caso único de encontro inesperadamente iluminado de intérpretes bastante díspares.Nem tanto. Afinal, o maestro italiano Riccardo Chailly é um ex-baterista de jazz; e Bollani estudou no Conservatório de Florença e cisca bem na arena erudita (em 2007, gravou o Concerto Campestre de Poulenc). O peixe fora d"água seria a Gewandhaus, uma das mais antigas e tradicionais sinfônicas alemãs, que teve entre seus titulares Mendelssohn e uma ilustre linhagem até Kurt Masur. Chailly é seu atual titular, fanático por Mahler e a música do século 20 (poucos sabiam de sua veia jazzística).Na provavelmente definitiva entre centenas de biografias sobre Gershwin, Howard Pollock desfaz o mito errôneo de que o compositor não era bom em orquestração. O próprio Gershwin repetiu que estudou pouco orquestração, harmonia, análise, teoria musical, etc. Mas isso se deve, segundo Pollock, a seu temperamento. Ele estudou sim, e com gente boa, durante quatro anos, antes de escrever a Rhapsody in Blue, em 1924. E o que é ela senão uma sucessão de "belíssimos temas", na expressão de Bollani? Chailly usa a instrumentação da banda de Paul Whiteman, que a estreou no Aeolian Hall em Nova York, em arranjo de Ferde Grofé. À ginga surpreendente dos músicos de Leipzig soma-se a informalidade de Bollani, que, como Gershwin na estreia, improvisa em vários momentos. O resultado é arrebatador.O lado erudito de Gershwin fica por conta do Concerto em Fá. Aqui, jura Bollani, ele seguiu a partitura (cá entre nós, seguiu mesmo). E Chailly, na entrevista a três no folheto interno do CD, diz que esse é um típico concerto neoclássico - movimento inaugurado por Stravinski na Europa dos anos 20/30 do século passado. Aqui a Gewandhaus nada de braçada, mas Bollani não faz feio em momento algum.A suíte sinfônica Caftish Row enfeixa alguns dos mais belos temas de Gershwin, como Summertime da ópera negra Porgy and Bess, e inclui até uma "Fuga", "bem bachiana", no dizer de Chailly. Aqui, maestro e músicos encarnam o autêntico espírito americano da Broadway, e suingam pra valer.A pérola final fica por conta do ragtime Rialto Ripples, que começa com Bollani solando; a orquestra entra gaiata e bem jopliniana. Três flautas "assobiam" ainda mais gaiatas para dar a música como terminada ("como se dissessem ao público: vocês não acreditaram que tudo isso era a sério, não é?", diz Chailly na entrevista). E, antes de Bollani retomar o solo, Chailly despede-se da orquestra com um "Auf Wiedersehen". Os músicos se retiram do palco e Chailly diz "Ciao, Stefano, io vado". Bollani responde enquanto toca: "Ciao, Riccardo. Ordine un linguine anche per me". Só resta dizer Ciao, Riccardo e Stefano, grazie per questa meravigliosa musica.RHAPSODY IN BLUEDECCA CLASSICSR$ 65

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