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Gerald Thomas inicia temporada contra a mesmice

Ele dirige e até atua no projeto Asfaltaram a Terra, conjunto de quatro textos que serão encenados em dias alternados

Por Agencia Estado
Atualização:

A indisposição parece ser o estado natural do diretor e escritor Gerald Thomas. Não física (embora um forte resfriado quase o tirou de combate nessa semana), mas moral e intelectual: indignação pelos atos do presidente americano George W. Bush, pela situação de calamidade do Iraque e pelo que julga ser o caos da cultura nacional. E, se um texto não bastasse para destilar sua insatisfação, Thomas escreveu quatro, reunidos no espetáculo Asfaltaram a Terra e cuja estréia ocorre hoje, para convidados, no Sesc Vila Mariana. Será a única oportunidade de acompanhar as quatro histórias montadas seguidamente - a partir de amanhã, elas serão apresentadas alternadamente aos pares. Thomas ainda não definiu a ordem, mas deverá prevalecer a seguinte: às quintas e sábados, as opções serão Um Bloco de Gelo em Chamas e Asfaltaram o Beijo (Uma Homenagem a Samuel Beckett). Já às sextas e domingos, Brasas no Congelador e Terra em Trânsito. "Nunca fiz quatro espetáculos de uma vez só, foi um trabalho hercúleo e enfrentei isso para testar minha capacidade", conta Thomas, que estréia como ator. Será com o texto Asfaltaram o Beijo, em que homenageia Beckett no ano do centenário de seu nascimento. Antes, porém, uma advertência: Thomas despreza o que considera oportunismo de datas, ou seja, lembrar de determinadas celebridades culturais apenas em aniversários com números redondos. Ele foi amigo de Beckett e seu representante em textos inéditos montados em Nova York na década de 1980. Daí sentir-se à vontade para tratar do assunto. Thomas descreve o relacionamento deles a partir de um crime cometido quando um diretor (interpretado pelo próprio Thomas) aquece um grupo teatral antes de entrar em cena. Enquanto se desenvolve a investigação, o diretor descreve como foram seus encontros com Beckett. Uma repórter aparece para cobrir o incidente, mas ela é uma de suas ex-amantes, que ele confunde com outras, além de informante de uma organização criminosa chamada Ministério de Si Mesma - sim, Gerald Thomas continua se divertindo com alusões surrealistas entre seus personagens. "Escrevi o texto especialmente para Fernanda Montenegro, mas ela percebeu que o conteúdo da peça só poderia ser interpretado por mim, por se tratar de uma relação tão pessoal, uma declaração de amor", conta Thomas que, aos 51 anos, dificilmente vai atuar novamente - exceto quando o convite vier de alguém muito especial, como o cineasta português Manoel de Oliveira. "Por ele, eu até voltaria a Portugal, local onde não pretendo mais trabalhar." Por gostar de experimentações e de expandir os limites teatrais, Thomas convidou o apresentador de TV Sérgio Groisman para interpretar Brasas no Congelador. O motivo é simples: para o diretor, ele já revela uma boa aproximação com o fazer cênico pelo fato de entrevistar pessoas em seu programa. "Serginho é obrigado a lidar com diferentes personalidades, muitas de gênio difícil, portanto, já é uma forma de representar", explica ele para, em seguida, provocar. "E, também, quero colocar gente nova nessa arte decadente." O texto narra a história de seis homens vestidos igualmente, que militam em uma organização cuja ideologia não conhecem bem. Alistam-se pela internet e o codinome de cada um é alterado a cada três minutos. Cada membro traz uma valise, que é aberta em determinado momento. Uma delas, a de Groisman, emite muita luz e todos imaginam tratar-se de urânio processado, já que essa seria a proposta da organização clandestina. Ele ri da suposição e explica que são brasas que ele guarda no congelador. Por causa da morte da mãe e fiel aos preceitos judaicos, Groisman não ensaiou nesta semana e só deverá estrear na próxima semana. Enquanto isso, o ator Poncho Cappeletti vai ler seu papel. Outra estréia planejada por Gerald Thomas é o primeiro papel feminino interpretado por Luiz Damasceno - em Um Bloco de Gelo em Chamas, ele vive o papel da primeira dama do cinema nacional, acostumada apenas a interpretar personagens masculinos. Quando tenta mudar a situação, não consegue. E, ao descobrir que o marido tem um caso com uma coadjuvante, revolta-se e passa a freqüentar clubes sadomasoquistas. "Para interpretar uma mulher, eu me baseei em diversos filmes e no trabalho de clown que já fiz", conta o ator, que vai manter o bigode e o cavanhaque. A última história, Terra em Trânsito, traz Fabiana Gugli como uma cantora de ópera que, presa em seu camarim, ouve um discurso politicamente incorreto no rádio (o próprio Thomas faz uma paródia de Paulo Francis) e o comenta com um... cisne judeu. "Gerald traduz seu inconformismo em uma maravilhosa verborragia", comenta Fabiana. De fato, para o diretor, enquanto o cinema é como um trem, que não pode sair da linha, o teatro é um carro, com liberdade para escolher sua direção. Asfaltaram a Terra. 12 anos. Sesc Vila Mariana/Teatro (608 lugares). R. Pelotas, 141, Vila Mariana, 5080-3000. 5.ª a sáb., 20 h; dom., 18 h. R$ 30. Até 4/6. Estréia hoje.

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