Gao Xingjian, um ilustre desconhecido

O escritor chinês que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura deste ano vive em Paris, mas viajou até Frankfurt para participar da Feira do Livro e conversar com os jornalistas sobre seu exílio da China, o fato de também ser pintor, mas negou-se a falar de política

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Com três minutos de atraso, a intensidade das luzes do salão Harmonia, na Feira de Frankfurt, baixa. É o sinal de que o chinês Gao Xingjian, premiado com o Nobel de Literatura, está chegando. Gao era um desconhecido dissidente que vivia sossegadamente nos arredores de Paris até a quinta-feira da semana passada. Na capital francesa há quase uma década e meia, escrevia e publicava suas obras sem grande repercussão. Agora, é uma celebridade. Acompanhado por um representante do mais importante encontro mundial de negociação de direitos autorais, Gao foi cercado por fotógrafos (em geral mais altos do que ele) que, apesar dos insistentes pedidos para que parassem de usar seus flashes, não sossegavam. "Nunca fiz política na China porque acredito que a política significa manipular as pessoas, o que me incomoda profundamente, me irrita; penso com a minha cabeça e só não com a cabeça dos políticos, o que não me impede de criticá-los", respondeu em francês a uma das questões sobre a China. Na opinião de Gao, sua obra - em especial a peça L´Ârret d´Autobus (Parada de Ônibus) - acabou perseguida no seu país natal, nos anos 80, justamente por fazer uma crítica sarcástica ao ridículo da política. Também pintor, com obras em exposição no Museu do Louvre, em Paris, ele diz não ter preferência por nenhuma das artes. "A divisão do trabalho é uma invenção das pessoas; sou apaixonado por todos eles, acho que podemos praticar todas as artes." Apesar de a China ocupar um lugar especial em sua obra, seja como dramaturgo, seja como romancista, Gao reconhece que é pouco conhecido por lá. Credita isso ao banimento que sofreu, mas evitou explicações para o fato de escritores chineses ligados ao regime terem considerado a premiação apenas política, uma espécie de recado eurocentrista da academia sueca, que escolhe o vencedor. Afirmou ainda, que não espera ser publicado na China nem poder retornar ao país, pelo menos enquanto estiver vivo. "A China sou eu", disse, parafraseando o escritor polonês Czeslaw Milosz, também ganhador do Nobel e igualmente exilado em Paris, referindo-se ao fato de escrever sobre o país, apesar do exílio político. Mas, se Gao é um exilado do regime comunista atual, a grande marca na sua vida foi a Revolução Cultural, conduzida por Mao Tsé-tung entre os anos 1966 e 1976. Até seu início, ele se definia como um autor inspirado por obras ocidentais. Em 1962, formou-se em francês, língua da qual se tornaria tradutor (e na qual já escreve - na entrevista, falou sobre dois trabalhos recentes, um deles em francês, encomendado pelo Ministério da Cultura do país que lhe concedeu a cidadania européia). Antes, já subira ao palco, levado pela mãe, uma artista amadora que o formou no teatro de resistência - aos japoneses, que ocuparam o país até 1945, quando acaba a Segunda Guerra Mundial. Já era uma apaixonado pelo texto, escrever era uma necessidade de confirmar uma existência individual. Mas por que a Revolução Cultural mobilizou a juventude ocidental, que acreditou, por algum momento, que havia encontrado o modelo para um novo mundo, como acreditaram muitos dos jovens que foram às ruas a partir do Maio de 1968 francês? Gao comparou a sedução que o movimento provocou entre os intelectuais com a empolgação despertada pela revolução russa, de 1917. Mas evitou tentar explicar o que esse período significou para os chineses. "Não posso explicar com poucas palavras", justificou. "Esse é um trabalho para historiadores e sociólogos." Para quem insiste em saber sua opinião a respeito da revolução, recomenda o romance Le Livre d´un Homme Seule (O Livro de um Homem Só), mas volta a afirmar que essa não é uma tarefa para ficcionistas. Após o fim da caça às bruxas, quando teve inclusive de destruir vários de seus manuscritos, Gao apresentou a Pequim o teatro do absurdo. Para ele, não é o teatro que é um absurdo, "mas a vida". Que o verdadeiro escritor deve representar tal como ela é. Um dos absurdos, ou melhor, um milagre, como define, foi a premiação da semana passada. O romancista de L´Montagne de L´Âme (A Montanha da Alma) diz que não a esperava, assim como não acredita que o prêmio venha a favorecer a publicação de outros autores chineses exilados. "Até a semana passada, persisti num trabalho solitário", conta. "Acho que há centenas de bons escritores que seguirão seus rumos assim; faz parte da vida." Por isso também, evitou comparações com outros escritores.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.