Gabriel Villela faz teatro no sertão de Mossoró

Diretor ensaia no Rio Grande do Norte o Auto da Liberdade, que será apresentada por 86 artistas locais em arena para 5,6 mil pessoas

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Por Agencia Estado
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Passa um pouco das 20 horas. Céu estrelado, lua quase cheia. Um vento morno sopra na imensa arena (21 metros de diâmetro) a céu aberto onde o diretor mineiro Gabriel Villela ensaia o Auto da Liberdade, um grande espetáculo popular com estréia prevista para o dia 26. No elenco, 61 atores da e 25 bailarinos, todos da cidade. O espetáculo será apresentado numa arena a céu aberto, com arquibancadas inspiradas no teatro grego, construída especialmente para a ocasião, com capacidade para 5,8 mil pessoas e equipada com a mais moderna tecnologia de som e iluminação. Tudo sob o comando de Villela, e sua equipe técnica, à convite da prefeitura local. Entre os jovens que aguardam o início do ensaio, está Luciana Lima, de 19 anos. "Nunca fui a São Paulo, mas conheço muito de ouvir meu pai falar", comenta. "Ele diz que os paulistas chamam todos os nordestinos de baianos. E pensam que Mossoró é um sitiozinho qualquer, com casas iluminadas por lamparinas." Exageros à parte, o Brasil não conhece mesmo o Brasil. Neste momento, certamente, Mossoró abriga um movimento teatral intenso e original de desdobramentos imprevisíveis. Há cerca de 50 anos, todos os anos, a cidade realiza um cortejo, envolvendo cerca de 8 mil pessoas, sempre no dia 30 de setembro, o Auto da Liberdade, no qual o povo celebra quatro momentos históricos - motim da mulheres; primeiro voto feminino; a libertação dos escravos e a resistência a Lampião. O motim teria ocorrido no dia 4 de setembro de 1875, quando cerca de 300 mulheres, batendo panelas, reagiram contra o alistamento militar obrigatório de seus filhos e rasgaram convocações em praça pública. Professora e "juíza de futebol", Celina Guimarães teria sido a primeira mulher do Brasil a receber autorização judicial para votar, em 1927. No mesmo ano, Mossoró teria posto Lampião e seu bando para correr. E a libertação dos escravos ocorreu no dia 30 de setembro de 1883, cinco anos antes da Lei Áurea. Essas quatro lutas são relembradas nesse cortejo coral, com ajuda de figurinos e adereços, cantos e coreografias. Há alguma polêmica em torno da veracidade desses fatos. Mas uma coisa é certa. Tais histórias já impregnaram o imaginário coletivo de Mossoró. E o poder público decidiu investir no potencial de representação desse imaginário. Há cinco anos, o diretor Amir Haddad foi chamado para dirigir o Auto da Liberdade. Depois dele, foi a vez de Fernando Bicudo. Ambos dirigiram o espetáculo por dois anos seguidos. Agora é a vez de Villela. "Aqui uma festa folclórica está se desdobrando em teatro", observa Gabriel Villela. Na verdade, cortejo e teatro já se tornaram duas coisas distintas. O cortejo ocorre no dia 30. O Auto da Liberdade será apresentado, com duas sessões diárias, entre os dias 26 e 29, sempre com entrada grátis.

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