PUBLICIDADE

Gabriel Villela faz mea-culpa no teatro infantil

Diretor fala do preconceito contra produções infantis e adianta que quer levar Os Saltimbancos para Portugal e montar Pluft, o Fantasminha em Belo Horizonte

Por Agencia Estado
Atualização:

"Nós, artistas de teatro, temos a síndrome de Xerezade: contamos histórias para não morrer". Com essa frase de efeito, pronunciada com a franqueza e a simplicidade típicas de um mineiro de bom coração, o diretor teatral Gabriel Villela resumiu seu amor pela arte que produz nos palcos há 12 anos. Ele estava diante de uma platéia de quase cem representantes da classe artística paulistana ligada ao teatro infantil. O encontro foi na terça-feira, no Café Aprendiz, da Vila Madalena, zona oeste de São Paulo, promovido pela terceira vez pela empresa Panamco. A série de debates Encontros - Panamco no Teatro teve início em julho, com o objetivo de reunir mensalmente a classe e tentar mobilizá-la em torno de uma séria questão: como diminuir o preconceito da sociedade com relação ao teatro infantil. O próximo encontro está previsto para 1.º de outubro. Villela compareceu ao evento disposto a fazer mea-culpa. "Durante muitos anos de minha carreira, eu era o tipo do diretor de teatro adulto que não liberava o palco de minhas montagens para a produção infantil, porque eu achava que atrapalhava o cenário do meu espetáculo", confessou, sem cerimônia. "Essa atitude é provinciana e discriminatória. Eu marginalizava o teatro infantil, mesmo tendo sido aluno, no curso de direção teatral da USP, de mestres como Clóvis Garcia e Tatiana Belinky, dois pilares da crítica de teatro infantil em São Paulo." Ele até fez questão de citar um exemplo concreto: "Durante os dez meses da temporada de A Vida É Sonho, com Regina Duarte, o Teatro Sesc Anchieta não pôde abrigar nenhuma peça infantil, porque nós não permitíamos. Quando eu penso nisso hoje, vejo o quanto havia de vaidade, inexperiência e ignorância." Villela reavaliou sua conduta e a mudou radicalmente. No ano passado, lotou todas as sessões do TBC com sua montagem de Os Saltimbancos, o clássico infantil da carreira de Chico Buarque. Foi sua estréia no gênero e, de cara, levou o Prêmio Panamco no Teatro e o APCA de melhor musical de 2001. Agora, ele quer ser reincidente no teatro infantil. Atualmente, está ensaiando um texto adulto, de Alcides Nogueira, mas em breve vai levar Os Saltimbancos para Curitiba e para Portugal e, em seguida, muda-se por quatro anos para Belo Horizonte, onde vai formar e comandar uma companhia de repertório, que terá entre as montagens uma versão musical de Pluft, o Fantasminha, de Maria Clara Machado, já encomendada para ninguém menos do que Adélia Prado. "Fazer Os Saltimbancos foi um dos maiores prazeres de minha carreira e uma experiência marcante", declarou terça-feira. Em seu depoimento no debate, Gabriel Villela ressaltou a importância do público adulto em um espetáculo infantil. "É lindo enxergar no olho de um pai a reciprocidade do encantamento do filho com os personagens da peça", contou, comovido. "Quem faz teatro para crianças tem de considerar os adultos, ou seja, o diretor tem de pensar numa abordagem que também sensibilize gente grande. Eu, por exemplo, como diretor, levo muito em conta a criança que eu fui, um menino apaixonado pelo universo mambembe do circo-teatro, no interior de Minas Gerais." Outra lição de Villela diz respeito à participação das crianças no teatro infantil, o tal do teatro interativo, que, segundo ele, costuma ser malfeito, com aquelas facilidades das perseguições dos personagens no palco e as perguntas de sempre: "Onde ele está? Para onde ele foi?" Ele comentou: "Criança tem o direito de interferir, de ser notada, afinal é um espetáculo feito para ela, é um espaço dela." Em Os Saltimbancos, por exemplo, ele orientou atores e técnicos a parar tudo, interromper até a trilha sonora, quando uma criança quisesse dialogar com o personagem. E isso acontecia muitas vezes. "Como criança não tem regras, ela faz como ninguém o trânsito saudável entre real e imaginário", explicou. Templos - Um sonho de Gabriel Villela é que existissem nas grandes cidades do Brasil verdadeiros templos de teatro infantil, teatros com várias salas e todas voltadas para esse gênero de espetáculo, sem a menor chance de que uma montagem adulta ocupasse o espaço. "Esse setor é um manancial de talentos e não há uma casa voltada exclusivamente para os infantis, um templo que estimule a freqüência de público cativo. Alguém precisa lançar o tijolo inicial de um projeto desse tipo. Vai dar uma injeção de gás nessa classe talentosa de artistas." Ele criticou a atitude leviana de quem pensa que "basta usar um nariz vermelho de palhaço para entrar para o teatro infantil". Foi taxativo: "Fazem espetáculos do gênero clownesco sem nenhum critério estético. Há um processo redutor por trás da utilização do nariz vermelho. Fellini pesquisou o clown durante toda a vida e morreu sem tirar nenhuma conclusão." A chave para o sucesso do teatro infantil, na avaliação feita por Gabriel Villela, é apostar sempre na capacidade de fantasiar que ninguém rouba da criança. "Bombardear Bagdá é como bombardear a fábula, as 1.001 noites. O islamismo radical, as guerras santas, os ataques terroristas, a intransigência dos americanos, tudo isso faz o adulto viver uma fase descompensada, um pessimismo tenso. Mas a criança, na minha visão, está salva disso, porque usa seu estado pleno de sonho para ficar imune. Elas, as crianças, é que vão nos salvar, com sua capacidade de fabular sempre. Por isso é que eu arrisco dizer que, no mundo atual, é mais urgente montar Irmãos Grimm do que Shakespeare."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.