Gabi, cara a cara com o palco

Depois de construir uma sólida carreira como apresentadora de tevê, Marília Gabriela revelou-se uma atriz surpreendentemente boa no espetáculo Esperando Beckett, com direção de Gerald Thomas, que estréia sexta em São Paulo

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Por Agencia Estado
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Um dos rostos mais conhecidos do noticiário brasileiro transformou-se em notícia. A jornalista Marília Gabriela, apresentadora de Gabi, na Rede TV!, veterana que já comandou incontáveis debates eleitorais e programas históricos, entre eles TV Mulher e Cara a Cara, está estreando no teatro. Não é só isso. Inicia sua trajetória teatral em grande estilo, protagonizando uma montagem concebida e dirigida por Gerald Thomas, o exigente e polêmico criador de Flash and Crash Days, O Processo, Ventriloquist, que já teve sob sua batuta Bete Coelho, Fernanda Torres, Fernanda Montenegro, Giulia Gam, Maria Alice Vergueiro e mais um vasto time de mulheres fortes. Marília Gabriela é a estrela de Esperando Beckett, que estréia para convidados na sexta-feira, no Teatro Sesc Anchieta, abrindo-se a bilheteria para o público no sábado. A redação do texto teve participação do diretor de tevê Ninho Moraes. E nela atuam os integrantes da Cia. de Ópera Seca. Esperando Beckett fica em São Paulo até 1º de abril. E volta para o Sesc Copacabana, no Rio de Janeiro, onde estreou no fim de 2000, com sucesso de crítica e público. O convite para Marília atuar como atriz partiu de Thomas, um dos mais destacados nomes do teatro brasileiro desde meados dos anos 80. Nascido no Rio, filho de pais imigrantes, ele começou carreira em Londres. E passou a impor seu estilo no La Mamma Theatre, em Nova York, onde mora até hoje. No Brasil, passou a atuar desde 1985, montando Quartett, de Heiner Müller, e Quatro Vezes Beckett, no Rio de Janeiro. Grande admirador do dramaturgo irlandês, que conheceu em Paris, Gerald Thomas presta tributo ao artista em Esperando Beckett, cujo título parodia a mais famosa peça do dramaturgo, Esperando Godot, obra-prima do teatro moderno que estreou há 50 anos. Nesta entrevista, Marília Gabriela conta como surgiu o projeto da montagem, como está sendo sua relação com o espetáculo e o público, e fala até de um futuro projeto teatral. De que maneira você se envolveu com uma produção teatral? Marília Gabriela - Foi no ano passado, em maio. Eu estava estreando meu programa na Rede TV! e Gerald Thomas foi um dos meus primeiros entrevistados. Quando estávamos terminando a conversa, ele disse que queria me fazer um convite em público. E propôs que eu atuasse como atriz, sob a direção dele, em um espetáculo sobre Beckett. Fiquei assustada. Chamei os comerciais e encerrei a entrevista. Gerald insistiu, disse que gostaria de que eu participasse da encenação por causa de minha ligação com a palavra. Foi a terceira vez que me convidaram para atuar no teatro. Bibi Ferreira e Zé Celso Martinez Corrêa haviam me chamado antes. Não aceitei. Quando Gerald me convidou, percebi que não tinha dito não. Fiquei de pensar. E então? Gerald sumiu por um mês. Achei que ele havia desistido do projeto. Mas então sua produtora me ligou. Ele queria marcar um almoço. Nós conversamos. E ele me disse que seria um monólogo. Pode parecer estranho, mas me senti tranqüila com a perspectiva de um monólogo. E ele quis ambientar o trabalho em um estúdio de TV. Foi então que você aceitou o convite? Não. A esta altura da vida, não queria fazer alguma coisa que me causasse sofrimento. Pedi então para assistir a um ensaio dele. E percebi que Gerald é uma pessoa de fino trato. Se quer alguma coisa de um ator, vai até ele e fala no ouvido. Não grita, não constrange ninguém. Percebi aí que poderia trabalhar com ele. Como é o roteiro? Os primeiros nove minutos, em que atuam os atores da Ópera Seca, teve texto escrito pelo Ninho Moraes, que é meu diretor de tevê e meu amigo há anos e anos. Mostra o clima de um estúdio de tevê, a superficialidade, a rarefação intelectual. Essa parte é toda dublada. Daí o estúdio entra em pane, tudo pára de funcionar. Todos somem. E começa o meu monólogo. Por um instante eu vejo Beckett entrando no estúdio. Fico atabalhoada, deixo cair minhas fichas, abaixo-me para pegar e, quando levanto, ele não está mais lá. Terei sonhado isso? O texto que digo tem citações de Malone Morre, um romance deslumbrante de Beckett, mas fala de Gerald, de mim, de uma pessoa que faz o inventário de si mesma, que pensa na vida. Você faz a si mesma em cena ou é uma personagem? Sou uma personagem. Mas não fui invadida por ela. Eu é que a invadi. Senti um prazer louco fazendo esse trabalho. Foi muito fácil ensaiar, muito gostoso. Fui fazendo, um pouco sem pensar no que fazia. E Gerald me disse depois que era bom trabalhar comigo porque eu não tinha os vícios comuns aos atores, como de querer saber a gênese da personagem ou coisas desse tipo. Como está sendo a sua relação com o público? Acho muito interessante. Sinto o público, ouço as risadas, as tosses, mas não vejo ninguém. Pedi uma luz muito forte, que me impedisse de ver a platéia. Na primeira vez em que os espectadores não reagiram, começei a exagerar. Mas Gerald foi falar comigo e me proibiu de fazer isso. Foi então que notei as diferenças de público. E que o espetáculo é diferente a cada dia. Quer fazer mais algum trabalho em teatro? Tive convites de Mauro Rasi e de Marília Pêra. E descobri os ciúmes dos diretores. Gerald não gostou desses convites. Ele está preparando O Príncipe de Copacabana, que vai fazer com Gianne (o ator/modelo Reynaldo Giannechini, namorado da jornalista). E quer voltar a trabalhar comigo em uma Rainha Lear, pondo meus filhos Christiano e Theodoro em cena. Diz que eu tenho muito de Lear, que sou mimada, sábia e tola, racional e louca, generosa e egoísta. A idéia é dissecar a relação mãe/filhos em cena. Vamos fazer. Esperando Beckett - Teatro Sesc Anchieta (R. Dr. Vila Nova, 245. Tel.: 256-2281). De 5ª a sáb., 21 h, dom., 20 h. De R$ 15 a R$ 30 (sáb.), e de R$ 10 a R$ 20 (demais dias).

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