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Futuro da ficção na pauta dos escritores

Por Agencia Estado
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Depois de Thomas Mann e A Montanha Mágica, de James Joyce e Finnegans Wake, de Guimarães Rosa e Grande Sertão: Veredas e de Clarice Lispector e A Hora da Estrela, que caminhos restam ao escritor no início do século 21? O que pensam os autores brasileiros sobre o presente e o futuro da literatura? Pode parecer que esse é o tipo de discussão que não leva a lugar algum, mas se ela vai e vem, entra ano, sai ano, entra década, sai década, é porque algum sentido deve haver nela. O ato de escrever (sobretudo o de escrever romance) sempre esteve ligado à profunda reflexão sobre a realidade e sobre o próprio papel do escritor. Talvez por isso essas questões estejam sempre presentes, embora as respostas variem bastante quando muda o tempo, o espaço e, especialmente, o autor. "Vivemos em plena democracia literária", acredita Menalton Braff (Que Enchente Me Carrega?). "As inovações, hoje, não eliminam o passado, como acontecia antes. A diversidade social dos principais atores literários, o escritor e o leitor, responsável pela diversidade de correntes estéticas, não exige a eliminação de uma para o surgimento de outra." "Do ponto de vista formal, não há muitos caminhos. De fato, depois de um Joyce ou de um Kafka, fica difícil inventar" defende Moacyr Scliar (O Jardim dos Centauros). Milton Hatoum, autor de Dois Irmãos, sustenta posição semelhante: para ele, a produção dos grandes autores do século 20 "pode inibir ou travar um escritor, mas pode sobretudo estimulá-lo". "A pior opção é querer imitar Rosa ou Clarice", diz ele. "Há obras inimitáveis, mas que são fontes riquíssimas de sugestões, insinuações e forma de narrar. A literatura de um país não é feita só de grandes livros." Luiz Antônio Assis Brasil (Concerto Campestre) é bastante mais flexível: acha que, ao escritor, restam "todos os outros caminhos, inclusive parodiar esses autores", enquanto Lya Luft (Histórias do Tempo) defende que, "para o artista verdadeiro há sempre um só caminho: o seu". Deonísio da Silva ("Os Guerreiros do Campo") afirma que o único caminho possível para o ficcionista é o da imaginação: "Ao romancista não interessa quantos foram os mortos na tragédia no World Trade Center. O escritor sabe que no momento em que o avião invadia o prédio, numa das salas, certa mulher, chamada Mary, que passara batom diante do espelho, enviava uma mensagem amorosa a John." Mas e quanto aos gêneros literários: eles estão em crise? Há futuro para o romance? "Nessa geléia global, a crise mesmo é de valores éticos e estéticos. Sem discernimento crítico, sem nenhuma pausa para reflexão, tudo pode ser literatura, obra de arte", diz Hatoum, que resiste um bocado à idéia de que tudo foi destruído. "Os gêneros literários são convenções. Desde o romantismo eles vêm sendo questionados. Nos anos 70, Barthes dizia que os ´textos´ iam subverter os gêneros, mas ele mesmo não sabia como definir esses ´textos´. Os gêneros foram renovados, passaram por transformações, mas sobreviveram. Os ´textos´ de Tutaméia (Rosa), Laços de Família (Clarice) e Feliz Ano Novo (Rubem Fonseca) não são contos?", devolve a pergunta. "O romance está em crise e a crise lhe faz bem", argumenta Deonísio da Silva. Também ele aponta a origem da tal crise para mais de cem anos atrás. "Machado já pôs o gênero em crise durante a própria formação do romance entre nós, na segunda metade do século 19." Lya Luft emenda: "Se há uma crise no romance, é só no sentido de que esteja mudando, não que deixe de existir." Ela acha ainda que "a divisão em gêneros realmente está saindo um pouco dos limites tradicionais", embora essa seja apenas uma mudança, "nem boa nem ruim". "Existe atualmente uma tendência à interpenetração dos gêneros. Poesia e prosa, dados como gêneros-tronco, dos quais derivam subgêneros e formas, aos poucos se aproximam", prefere Braff. "O telégrafo foi um dos responsáveis pelos ´versos harmônicos´, de que fala Mário de Andrade. Então me parece que a ´prosa poética´ é uma das maneiras literárias muito promissoras", num momento em que novas tecnologias (ou nem tanto) como a Internet, a TV e o cinema suprem parcela significativa da "necessidade narrativa do homem". "Não entendo como uma crise, mas como um ganho: a confusão entre os gêneros veio trazer maior liberdade ficcional e poética", diz Assis Brasil. "Sem gêneros delimitados, sem escolas literárias, o autor vê-se livre de certas ortodoxias que apenas o embaraçavam. Se atentarmos para as capas dos livros de hoje, é muito raro que tenham ali, escrito: ´romance´, ´novela´, ´contos´, ´poemas´. Os editores há muito deram-se conta do fenômeno."

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