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O inglês Actress, que toca hoje em SP, fala sobre as raízes de seu r&b vanguardista

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Por Roberto Nascimento
Atualização:

Hubble, composição do inglês Actress, tem como espinha dorsal uma melodia monocromática, costurada entre um labirinto de efeitos foscos - estilhaços de um vocal, acordes estáticos, ecos desconcertantes. Um bum ti bum denso e camuflado amarra as abstrações da faixa, como uma zabumba subaquática. Um diálogo caleidoscópico entre ritmo e melodia as transforma em um épico pura hipnose de r&b vanguardista. Hubble abre o reverenciado Splazsh, disco que colocou Actress entre os grandes do eletrônico autoral contemporâneo, em 2010. A faixa foi uma síntese das explorações do produtor até então: house, techno, fragmentos de disco, r&b e dubstep revisitados através de uma ótica experimental, de ruídos brancos e gravações cotidianas. "Hubble surgiu de um estudo que eu fiz sobre Erotic City", conta o produtor, referindo-se à brilhante composição de Prince. "Comecei com uma linha de grave semelhante, e tentei levar isto até o limite, como se fosse sair da Terra e chegar ao espaço. Por isso o nome da faixa", acrescenta. Actress, ou Darren Cunningham, é o destaque do festival Novas Frequências, realizado ao longo da semana, no Rio. Com ajuda do site de crowdfunding Queremos!, o produtor e Hype Williams, outro influente nome do eletrônico contemporâneo, tocam hoje, em São Paulo, no Beco. "Não foi consciente. Erotic City é apenas um daqueles discos que sempre estiveram lá, e que eu redescobri. Foi apenas o ponto de origem de uma viagem", continua. "Há sempre de haver uma raiz de onde as coisas podem brotar. A partir daí podemos levá-las para algum lugar. Não necessariamente o futuro, mas algum espaço em que a música possa existir sem ser tocada", completa. A forma com que Actress transforma essa raiz rítmica, calcada na tradição negra, em um pé de feijão de funk vanguardista é o aspecto mais interessante de sua obra. Uma faixa como Always Human, de Splazsh, por exemplo, é uma cria distorcida da música que influenciou Cunningham na virada do século, quando começou a produzir depois de ser obrigado a deixar a carreira de jogador de futebol por causa de uma lesão no joelho. "Eu jogava bola, mas sempre fui artístico. O futebol é tão criativo quanto a música", conta. Theo Parrish, Moodymann, Derrick May e Jeff Mills, os mestres de Detroit, serviram de ponto de partida. Daft Punk e indie rock entraram na mistura. O resultado é batizado pelo próprio de r&b concrète, em referência ao experimentalismo musical com ruídos cotidianos da musique concrète conceitualizada pelo compositor francês Pierre Schaeffer. Para Cunningham, o conceito é amplo, e pode tomar a forma intensamente rítmica das composições de Splazsh, ou pode virar as vinhetas intimistas de R.I.P, seu incensado disco deste ano, recentemente anunciado entre os dez mais pela revista Wire. Em memória de um amigo morto, R.I.P. é um ângulo quase ambient sobre a música de pista: dance music para ser apreciada, não dançada.

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