Fringe vai além das estréias nacionais

O 11.º Festival de Teatro de Curitiba (Fringe) mescla estréias nacionais como Auto dos Bons Tratos e Mãe Coragem e Seus Filhos, com sucessos como O Evangelho Segundo Jesus Cristo, baseada em obra se José Saramago

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Por Agencia Estado
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Com ação ambientada no século 16, estréia nesta quarta-feira na mostra principal do 11.º Festival de Teatro de Curitiba o espetáculo Auto dos Bons Tratos, da Cia. do Latão. Com texto e direção de Sérgio Carvalho e Márcio Marciano, a montagem baseia-se em pesquisa histórica e pretende mostrar as raízes do autoritarismo na formação da nação brasileira. Como toda estréia, a qualidade da montagem ainda é uma incógnita. Mas uma coisa é garantida. Uma casa lotada espera a Cia. do Latão. A afluência do público merece destaque no festival que completa amanhã o sétimo dia e termina no domingo. Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams, com Leona Cavalli, a estréia de hoje à noite na mostra principal, teve seus ingressos esgotados rapidamente. Terá sessão extra à meia-noite e é grande a solicitação do público por outras sessões. Não é um caso isolado nem se restringe aos pequenos teatros. O Evangelho Segundo Jesus Cristo fez duas apresentações com casa cheia no Teatro Guaíra, que tem 2,2 mil lugares. E o fenômeno se repete no Fringe. No domingo, cadeiras extras ocuparam o palco na última das três sessões de Baladas de Oscar Wilde, produção carioca dirigida por Nara Keiserman. A produção curitibana As Richas, também apresentada no Fringe, está entre outras que tentam realizar uma sessão extra, uma operação difícil num festival que tem 136 peças na mostra paralela, com alguns teatros abrigando até cinco espetáculos diferentes por dia, com sessões do meio-dia até à meia-noite. A significativa afluência do público à maioria dos espetáculos não é um fenômeno desprezível se levarmos em conta que, só hoje, a cidade abrigará ao todo 52 sessões dos mais diversos gêneros de montagens. E a julgar pela reação desse público, suas expectativas não vêm sendo frustradas, ainda que muitas vezes, principalmente no Fringe, essa reação esteja divorciada da avaliação da crítica especializada. Na programação da mostra principal, a organização do festival optou por mesclar estréias nacionais com espetáculos que já cumpriram temporada em suas cidades de origem com aprovação de público e crítica. As possíveis surpresas, portanto ficam mesmo por conta dos espetáculos que fazem suas estréias nacionais no evento. Três delas ocorridas nesta primeira metade da programação: Almoço na Casa do Sr. Ludwig, Mãe Coragem e Seus Filhos e O Conto da Ilha Desconhecida. Enquanto Almoço correspondeu à expectativa positiva que cercava o espetáculo e até superou no que diz respeito à atuação do ator Luiz Paulo Vasconcellos, Mãe Coragem apresentou problemas típicos de estréia e O Conto, adaptação de texto de Saramago, apesar de algumas boas soluções de direção não conseguiram superar as deficiências do elenco amador. Em Mãe Coragem, o diretor Sérgio Ferrara evitou "leituras" e optou por apoiar-se no elenco para contar a história da vendedora ambulante, uma mulher forte e determinada a sobreviver em meio a uma longa guerra, mas que não fica impune ao massacre sofrido por toda a população, sempre à mercê de decisões superiores. O público riu logo na primeira cena, na qual o sargento, interpretado por José Rubens Chachá, discursa sobre "as vantagens da guerra" numa cena que antecipa a opção por um "Brecht moleque" com pitadas de humor "à brasileira´. Essa é também a linha da tradução assinada por Alberto Guzik, Maria Alice Vergueiro e Sérgio Ferrara que, entre outras liberdades, põe na boca dos personagens sonoros palavrões. A linha escolhida por Ferrara está evidente na atuação de Chachá no papel do Capelão ou de Rubens Caribé como o filho valente e inescrupuloso. Mas aparece sobretudo na interpretação de Maria Alice Vergueiro. Com seu inegável talento, a atriz passou longe de ficar presa à chave única da determinação e da força da personagem. Um dos méritos de sua interpretação é imprimir à sua Mãe Coragem uma alegria de viver que só será quebrada pela dor profunda causada pela tragédia da perda de seus filhos e pela destruição ao seu redor. Porém, os demais elementos cênicos não acompanham essa mesma curva que vai da sobrevivência possível, e quase alegre, até o destroçamento emocional e material. O cenário de J.C. Serroni, funcional na resolução das situações, não traz para o palco a curva ascendente de desolação das cidades e dos campos. Tampouco os figurinos. Ferrara tenta uma síntese dessa destruição na cena final, no desfile de um regimento de mutilados. Mas, mesmo aí, a imagem é amena diante da tragédia trazida pelo texto. Mal acomodado no Guairinha, o cenário teve de ser esprimido no centro do pequeno palco, única alternativa para facilitar a visão das laterais, o que dificultava a manobra da carroça. Pelo menos na noite de estréia, esses problemas parecem ter afetado o ritmo e o vigor do elenco, especialmente nos números musicais. Na cena final, as dobras da lona do piso sob as rodas da carroça provocaram perigoso tombo de Maria Alice. Para agravar, Ferrara optou por um recurso do cinema mudo, projetando textos numa tela ao fundo do palco para marcar a passagem do tempo. Escrito em letras góticas, eram lidos com muita dificuldade no fundo da sala. "O que está escrito?", perguntavam os espectadores, provocando um distanciamento não desejado pelo diretor. Mas esses são problemas técnicos que sempre podem ser ajustados ao longo da temporada. * A repórter viajou a convite da organização do festival

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