Freyre, um sociólogo em prosa e verso

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Por Redação
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Se havia dúvidas sobre o fato de um encontro literário homenagear um cientista social, produto do meio acadêmico, começaram a ser dissipadas ontem na mesa Ao Correr da Pena, a primeira da Flip deste ano, em torno do pensamento e da obra de Gilberto Freyre. A conferência inaugural sobre o sociólogo pernambucano, feita na noite anterior pelo também sociólogo Fernando Henrique Cardoso, situou Freyre não só em relação às correntes de pensamento de seu tempo, mas também em relação a outros intérpretes do Brasil - como Oliveira Vianna, Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes. Ontem a discussão se deu em torno do estilo literário do autor de Sobrados e Mucambos - estilo poético, pessoal, que arrebatou e continua arrebatando leitores. E assim o homenageado entrou no foco principal da Flip, a literatura.O romancista Moacir Scliar, um dos expositores da mesa, lembrou que Gilberto Freyre sempre transitou entre duas culturas, a científica e a humanista, criando uma escrita leve, que tira partido da primeira pessoa e não liga para a precisão. "Mas ao transitar entre esses mundos, ele tropeçou feio. O livro que fez sobre sociologia da medicina não resiste a uma análise mais atenta. Gilberto divaga, dá lições de moral, generaliza", comenta Scliar, que também voltou a discutir certa manifestação de antissemitismo em Freyre, ponto abordado na véspera por FHC. E acrescentou, criticamente, o endosso que o pernambucano chegou a dar ao golpe militar de 1964, "algo complicado para a minha geração". Já para o historiador Ricardo Benzaquen, o estilo de Freyre tem a ver com o ensaísmo que vem do século 16, na tradição de Montaigne. "Freyre não conclui o pensamento. E esse inacabamento tem relação com a valorização da oralidade."Pela segunda vez na Flip, o escritor e crítico literário pernambucano Edson Nery da Fonseca, de 89 anos, empolgou novamente a plateia ao contar passagens curiosas da vida de Gilberto Freyre, de quem foi amigo e é especialista. Lembra-se de histórias cheias de detalhes e graça - como o dia em que Freyre, dois anos antes de morrer, foi a um cemitério de Boston visitar o túmulo da primeira mulher que diz ter amado, a poeta americana Amy Lowell. Nery da Fonseca acabou sendo aplaudido de pé após dizer, de cor, o longo poema de Freyre intitulado Bahia de todos os santos (e de quase todos os pecados). Considerado uma obra-prima dentre os poemas que exaltam cidades, mereceu de Manuel Bandeira o seguinte comentário: "Este seu poema, Gilberto, será para sempre a minha dor de corno." Anos depois, Freyre encorajaria Bandeira a compor o poema Evocação do Recife, também belíssimo, certamente resolvendo as dores do amigo.

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