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Franceses discutem obra de Julio Mesquita

École des Hautes Etudes promove seminário sobre o livro A Guerra (1914-1918), que reúne os relatos semanais que o jornalista escreveu ao longo do conflito

Por Agencia Estado
Atualização:

A École des Hautes Etudes en Sciences Sociales de Paris e seu Centre de Recherche sur le Brésil Contemporain realizarão na quarta-feira, na capital francesa, um seminário sobre o livro A Guerra (1914-1918), de Julio Mesquita, com diagramação de Diana Mindlin e edição-executiva de Mary Lou Paris, diretora da Editora Terceiro Nome, com a participação de historiadores e especialistas dos diversos aspectos do conflito e dos brasilianistas ligados às instituições universitárias francesas. Fundada pelo historiador Fernand Braudel, a Maison des Sciences de l´Homme se associará igualmente à manifestação, que terá lugar em sua sede parisiense no Boulevard Raspail, com a presença dos embaixadores Marcos Azambuja e Israel Vargas, representante do Brasil na Unesco e de outras personalidades francesas e brasileiras, além de estudantes dos cursos de pós-graduação. A Maison des Sciences de l´Homme será representada pelo seu presidente Maurice Aymard, e a École des Hautes Etudes pelos diretores do Centre de Recherche du Brésil Contemporain, Afrânio Garcia e Ignacy Sachs. A convite dos organizadores, o editor de A Guerra e responsável pela iniciativa de lançá-la, Ruy Mesquita Filho, estará presente e deverá expor os fatos referentes à elaboração da obra em quatro volumes e à acolhida que lhe foi reservada pelo público brasileiro. O professor da Sorbonne, Pierre Miquel, um dos grandes especialistas europeus da 1.ª Guerra, abrirá o seminário abordando o tema da interação orgânica e coerente assegurada pela obra em termos de imagens, textos e técnica jornalística sobre o conflito. O escritor e jornalista Gilles Lapouge, correspondente do jornal O Estado de S. Paulo em Paris e autor do prefácio de A Guerra, fará a análise sobre o "olhar distante, mas de extrema acuidade" que um jornalista brasileiro, Julio Mesquita, no caso, teve de um dos mais trágicos acontecimentos da história contemporânea. Os debates serão conduzidos pelas brasilianistas Marion Aubrée e Andrée-Anita Clémens, pesquisadoras da École des Hautes Etudes e do Centre de Recherche sur le Brésil Contemporain, sendo prevista a participação também do professor Marc Ferro, outro renomado especialista francês da Grande Guerra. Em entrevista, a pesquisadora Andrée-Anita Clemens adiantou alguns pontos de sua comunicação ao seminário, afirmando, de início, que "a obra de Julio Mesquita interessa vivamente e sob numerosos aspectos à pesquisa francesa e européia sobre a Grande Guerra". Depois de observar que a literatura referente à guerra de 14-18 provém sobretudo dos países protagonistas do conflito - França, Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos -, ela sublinha: "A originalidade de A Guerra, como Lapouge observa judiciosamente em seu prefácio, reside no ´olhar distante´ do autor que acaba dando igual importância ou quase aos acontecimentos registrados nos diversos fronts. O autor não se deixa embaralhar ou se ofuscar pelo peso de uma memória coletiva e afetiva, própria aos povos envolvidos diretamente no conflito. Seu olhar é vazado em extraordinária lucidez. Ele soube medir as forças em confronto no gigantesco cenário que se desenvolvia ao longe, em outros continentes, outros mares, semana após semana. Ele demonstrou afinal agudo senso premonitório dos novos conflitos que iriam abalar o mundo a partir dos anos 30." Andrée-Anita prossegue: "A lucidez decorria não só do rigor com o qual Julio Mesquita efetuava a triagem da massa de despachos das agências chegados da Europa e dos Estados Unidos e da Ásia, como também do profundo conhecimento que ele possuía do mundo às vésperas do conflito, isto numa época em que ninguém falava ainda de globalização. Suas análises à queima-roupa, instantâneas, sobre as causas e os interesses em jogo no conflito não diferem muito dos estudos e escritos feitos bem mais tarde pelos historiadores da segunda metade do século 20. Julio insistia, por exemplo, na grave responsabilidade do pangermanismo na deflagração do conflito e sublinhava igualmente, 25 anos antes de Pearl Harbour, a séria ameaça colocada pela rivalidade nipo-americana no Pacífico." No entender da pesquisadora francesa, os brasilianistas europeus nos vários domínios das ciências humanas não deixarão de se interessar pelo que os elementos subjacentes ou o background das crônicas da guerra de Julio Mesquita revelam sobre o comportamento e o estado de espírito das elites brasileiras na época. "Elites por vezes pessimistas ou partisanes, como o evidencia a hostilidade de um Monteiro Lobato ou de representantes das comunidades alemãs do Brasil em relação à linha editorial seguida por Julio à frente de O Estado de S. Paulo. Linha sem dúvida favorável às forças aliadas, porém, antes de tudo, estribada em escrupulosa objetividade." Quanto ao estilo literário e jornalístico de A Guerra, Andrée-Anita, formada em Literatura Moderna pela Sorbonne, destaca "a clareza, a concisão, a nítida e acurada separação entre os fatos e sua interpretação postas em prática pelo autor, atrás de quem se discerne o homem político, o humanista, o cidadão". Ela acentua: "Combinando a exatidão no levantamento dos fatos com a sobriedade nos comentários, Julio deixa entrever nessa tessitura uma emoção contida - e aí seu estilo impressiona pela alta qualidade da escrita. Lapouge tem pois razão quando afirma que, começada a leitura, ninguém consegue largá-la mais." Ainda no seu entender, a escrita de Julio interessa os estudiosos em geral por outro prisma - pelo seu caráter inovador. "Livrando-se das construções empoladas, gongóricas de seus confrades e tomando o partido da sobriedade no uso de sua cultura geopolítica e estratégica para se colar o máximo possível à realidade dos fatos, o autor impôs um estilo resolutamente moderno, direto e despojado de floreios, que iria contribuir na transformação do texto jornalístico brasileiro", assevera. Outro ponto que reteve a atenção da brasilianista francesa - além das colaborações relevantes de Jorge Caldeira, Fortunato Pastore e José Alfredo Vidigal Pontes - refere-se "à riqueza e à originalidade da iconografia" contida na edição. Andrée-Anita esboça então uma análise comparativa: "Os manuais de história franceses oferecem, de hábito, fotos das trincheiras de Verdun, dos poilus (combatentes), dos estados-maiores, etc. Como bem diz Pierre Miquel, essas ilustrações mostram basicamente o teatro de operações francês, por ter sido o mais mortífero. Já a iconografia de A Guerra propõe toda uma documentação fotográfica sobre as diversas frentes do conflito espalhadas pelo mundo - na Europa, no Atlântico, Rússia, Oriente Médio, África, Japão. Pelo cotejo de tal acervo visual com o texto, Pierre Miquel logo se deu conta da exatidão com que o autor testemunha a universalidade do conflito." Dentro dessa "ótica universal" que informa A Guerra, a pesquisadora da École des Hautes Etudes, afirma: "Julio Mesquita, com seu olhar do outro lado do Atlântico, certeiro e bem-vindo, nos obriga, enfim, a repensar a Grande Guerra em termos de sociedade-mundo, conforme o conceito de Braudel, e a nos conscientizar do quanto o eurocentrismo limita e empobrece nossa história e nossa visão de mundo."

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