Fotógrafo cego expõe no CCBB

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Por Agencia Estado
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Cego desde os 11 anos por causa de um acidente, o filósofo, cineasta e fotógrafo franco-esloveno Evgen Bavcar (pronuncia-se Euguen Bauciar) ganhou notoriedade por desafiar sua condição física - a cegueira - e impor à Europa um jeito aguçado de enxergar suas cicatrizes. Sua arte fotográfica, que estará exposta no Centro Cultural Banco do Brasil na próxima semana, tem uma opção clara pelo expressionismo. "O expressionismo foi a melhor coisa que surgiu na Europa Central", disse Bavcar, em entrevista por telefone, de Paris. "É uma forma de autopreservação, dando mais possibilidades de liberdade ao sujeito, e funciona como uma assinatura, como a minha própria palavra." É a segunda vez que Bavcar vem ao Brasil. Esteve em abril no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e Brasília, trazido pelo mesmo ciclo de conferências de Adauto Novaes. Doutor em Filosofia da Estética pela Universidade de Paris X e teórico da arte, o artista adorou o País. Fascínios - Definiu três fascínios especiais que o ajudaram a conhecer algo da natureza do Brasil: a dança, o futebol e a floresta amazônica. "Conhecer um País novo é como conhecer uma mulher", ele comenta. "Quando nos aproximamos, olhamos com respeito, atenção e de um jeito diferente daquela que costumamos olhar rotineiramente." A dança brasileira, para Bavcar, guarda um princípio filosófico. "É a dança da nostalgia dos escravos, uma forma de chegar ao coração", afirma. "Graças à dança, os escravos mantiveram a idéia de liberdade e ela não os deixou esquecer que um dia foram livres", pondera. "Para mim, o ritmo - seja ele forró, axé, samba - é um sistema que muda o tempo todo, é uma resistência do coração contra a continuidade do tempo e tem algo de dialético", avalia. "Também o futebol tem um aspecto de preservação de um sentimento, algo que não notei em outros lugares", explica Bavcar, que define Pelé como "um artista do futebol". Segundo ele, o esporte é, no Brasil, uma dança de graça, enquanto que, para o europeu, mantém a característica de uma batalha. "No Brasil, é sublimado na infância, tornando-se sempre uma extensão dela", pondera. "É um erro encará-lo como batalha, à semelhança dos europeus, porque ele é aqui uma dança da graça." Mas o maior fascínio foi ter visitado uma fazenda de café no Brasil, que ele chama de "o país das árvores", e conta que ter comido coisas no mato foi algo equivalente a "Adão e Eva experimentando a primeira maçã". Mas não pensem que Bavcar é um romântico deslumbrado. "Sei muito bem que há a miséria, a prostituição das crianças, a droga -, mas essa miséria tem a responsabilidade do mundo inteiro", ele diz. "Hoje em dia, o mundo se aproveita dessa miséria e faz dela matéria-prima erótica de exportação." Ideologia - Bavcar enxerga, a despeito de novo de sua condição, essa miséria espalhada por todo o mundo. "Há um poeta esloveno que diz: ´As filhas do Leste são uma pechincha´. A droga é uma espécie de ideologia, assim como a cirurgia plástica - Quando perdi a vista, fiquei muito feliz quando ganhei uma bela prótese, ironiza - e a grife, a etiqueta no mundo moderno - tudo isso vem em forma de monoculturas." O artista vê os sistemas filosóficos tradicionais em xeque, e acha que o artista tem uma visão mais ampla para tratar das encruzilhadas que se apresentam nos dias atuais. "Conheci aí no Brasil intelectuais que atuam com a emoção, como Adauto Novaes", ele conta. "O Brasil é próximo e é distante - é na dialética, e sua distância é tão importante quanto sua proximidade, porque foi por meio dela que o Ocidente veio a compreender o pensamento permeado pela emoção, pelo sentimento." Dizendo-se místico, Bavcar chega agora querendo conhecer algo da religião. "Sou um pouco como São João da Cruz numa noite escura", brinca. Na última visita, foi ao Cristo Redentor levado por Adauto Novaes, e disse que o monumento o fez lembrar "o Grande Inquisidor" de Dostoievski. Tem uma maneira muito peculiar de reconhecer o mundo. Sua opção estética é muito mais filosófica. "O expressionismo ao qual eu me apego é definido por um cartaz que havia outro dia no metrô de Paris", ele conta. "Dizia assim: Eu prefiro morrer só do que viver em coletividade. Dissolver-se no coletivo é o temor do filósofo, porque é a indistinção, ressalva, que acaba com a liberdade." Seu tema no simpósio do Centro Cultural Banco do Brasil será "Corpo, Espelho Quebrado da História", uma reflexão sobre a condição do deficiente físico ao longo da cultura, e a tragédia da Europa Central.

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