Fotógrafo alemão lança campanha no Brasil

A partir de quarta, trabalho de Helmut Newton será visto em traseiras de ônibus, laterais de prédios, páginas de revistas e jornais e outdoors de São Paulo, pela campanha do Shopping Villa-Lobos

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Por Agencia Estado
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A partir desta quarta, traseiras de ônibus, laterais de prédios, páginas de revistas e jornais e outdoors de São Paulo vão estampar - pela primeira vez - uma campanha feita especialmente para o Brasil pelo renomado fotógrafo alemão Helmut Newton. Não é, como de hábito, uma série de fotos facilmente digeríveis. Newton fotografou em Bellagio, na Itália, as modelos Ana Hickman, brasileira, e a francesa Grabriele Cubert, para a nova campanha publicitária do Shopping Villa-Lobos, localizado na Marginal do Rio Pinheiros, em São Paulo. Seu universo um tanto sadomasoquista, ligeiramente perverso e com um certo abandono existencial parece fundir-se, nas fotografias, a um clima meio nostálgico dos anos 50. "Desculpe desapontá-lo, mas minhas fotos não capturam de maneira alguma um feeling dos anos 50 no Brasil, não era minha intenção", disse o artista, em entrevista. "O que eu tenho tentado com minhas imagens, de maneira geral, é expressar as mudanças de relacionamentos e hábitos nos dias de hoje". Reprodução Aos 80 anos, Newton diz que é "principalmente um fotógrafo" Newton definiu a modelo Ana Hickman, que está de fato exuberante na campanha, como "uma criatura bela e sexy". A campanha custou R$ 1,2 milhão, mas o shopping não informou de quanto foi o cachê de Newton. "Ele é caro, é o que posso dizer", diz Marcelo Araripe, diretor de marketing do shopping. O Villa-Lobos ficou agradavelmente surpreso, há um ano, com o impacto da campanha de inauguração do shopping, que utilizou-se de fotos do artista e - apesar de ser um material de apelo erótico, com o clima decadente próprio de Newton - teve boa repercussão entre o público. Mas daí a dar total liberdade para Newton criar uma campanha exclusiva era um grande e arriscado passo. "A gente sabia desde o começo que estava entrando no universo dele", diz Araripe, que afirma ter calculado o risco e confiado no resultado. Segundo ele, a estética moderna do fotógrafo se adapta perfeitamente ao perfil do shopping. O primeiro susto veio quando a equipe brasileira foi à Itália para tratar das locações com Newton. A bomba no mundo fashion, na ocasião, era a notícia de que o fotógrafo tinha acabado de abandonar uma sessão de fotos para a Dolce & Gabbana por considerar que havia demasiada interferência em seu trabalho. "Parece que ele também não gostou das roupas", lembra Araripe, que confessa ter começado a se preocupar na ocasião. "Mas o Newton ama a (atriz, apresentadora e ex-modelo) brasileira Beth Prado, e se encantou com a Ana Hickman", conta Araripe. Segundo ele, Newton teria até prometido apresentar a modelo a Ana Wintour, diretora da Vogue. Aos 80 anos, Newton diz que é "principalmente um fotógrafo" e que o fato de estar em constante mutação deve-se a seu gosto por observar a realidade que o cerca. "Acho a realidade sempre interessante e em constante mutação. E, sim, eu sou primordialmente um fotógrafo." ReproduçãoFotógrafo reconhece influência de Sade. Acima, a francesa Gabriele é levada por uma coleira por Ana Hickman Além das influências fotográficas confessas, ele também reconhece que sua estética deve sempre algo ao Marquês de Sade (1740-1814). "Mas não só por Sade", ele afirma. "Todo dia eu sou influenciado por muitos fatores daquilo que é conhecido como vida comum, e que é o que todo mundo tem ao alcance de sua visão", pondera. "O que faz a diferença é estar atento ao que está na sua frente e juntar isso com suas fantasias - ou fazer isso tornar-se sua fantasia." Newton não se demonstrou nem um pouco preocupado com prováveis reações de grupos feministas à sua decisão de colocar uma modelo - a francesa Gabriele - sendo levada por uma coleira por Ana Hickman. "Todos os confrontos que eu tive não foram com o movimento feminista, mas com pessoas com uma vida problemática que queriam me imputar a responsabilidade por isso", ele afirma. "Infelizmente, muitas pessoas têm medo da opinião pública e acham mais conveniente esconder suas pulsões", teoriza o artista. Newton nunca escondeu suas pulsões - até, pelo contrário faz questão de escancará-las. Mas também foi por conta dessa sinceridade artística que fez sua reputação. Ele veio a São Paulo recentemente e chegou a fazer palestras, mas recusou-se a fazer comentários sobre o caos da cidade. E, apesar da cidade de Bellagio, na Itália, lembrar muito algumas paisagens da orla carioca, ele conta que não a escolheu por isso. "Escolhi Bellagio porque eu tinha estado lá antes e sempre gostei daquele lugar", disse. "Eu pensei que poderia ser adorável gastar alguns dias lá de novo". Reprodução "Sim, eu acho que o conceito de fotógrafo, tal como nós o conhecemos hoje e no passado, está a ponto de desaparecer", afirma Newton Trabalho - O trabalho do fotógrafo alemão Helmut Newton só passou a ser mais conhecido no Brasil em abril passado, quando o Museu de Arte Moderna de São Paulo trouxe 100 fotos da exposição Us & Them, dele e da mulher, a também fotógrafa Alice Springs. Mas Newton é uma verdadeira lenda da fotografia. Tem 80 anos de idade e 68 de profissão. Começou a fotografar aos 12 anos. Aos 14, queria ser cineasta, mas voltou às fotos. Nos anos 50, fotografou para a Vogue francesa e escancarou um estilo de imagens fortes, mulheres em poses decadentes, desgrenhadas e seminuas andando pelas ruas - um universo que só nos anos 80 seria retomado por gente como Mario Testino e Oliviero Toscani. Newton chegou a Paris em 1957 e logo ganhou fama por seu conceito de excessos, e, principalmente, por acreditar na fotografia como uma espécie de lente distorcida da realidade. "Sim, eu acho que o conceito de fotógrafo, tal como nós o conhecemos hoje e no passado, está a ponto de desaparecer", afirmou. "Eu não ficaria surpreso se daqui a 20 anos não conseguisse sucesso na tentativa de comprar um rolo de filme preto-e-branco ou colorido." Teatral e realista ao mesmo tempo, Newton passou ao largo da obra de contemporâneos como Robert Capa, Robert Doisneau e Cartier Bresson. Não tem nada de documentarístico seu trabalho, até pelo contrário: suas fotos são de lugar nenhum e seus personagens são de todo lugar. Reprodução"O que eu tenho tentado com minhas imagens, de maneira geral, é expressar as mudanças de relacionamentos e hábitos nos dias de hoje" Seus retratos e auto-retratos não parecem perseguir nenhuma verdade particular - nem o senso do registro "fiel" nem um aspecto especialmente particular da aparência de alguém. Yves Saint-Laurent, Karl Lagerfeld, Andy Warhol, Catherine Deneuve, Timothy Leary, uma constelação de estrelas serviu aos caprichos da lente de monsieur Newton. "Minhas maiores influências como fotógrafo foram Brassaï, dr. Eric Salomon, Erich von Stroheim e os romances de Arthur Schnitzler e Stefan Zweig", ele contou, em sua primeira entrevista ao Brasil, em abril. A nudez é uma marca frequente, mas não é uma nudez glamurizada. Há sempre um antierotismo calculado em Helmut Newton. Ele ajudou a criar uma era de modelos anoréxicas, sem dúvida. Mas parece que, com a bela Ana Hickman, é possível dizer que ele fracassou.

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