Fotografia colabora na discussão do panorama da expressão contemporânea

Tema desta 30ª Bienal se encaixa muito bem na gênese do fazer fotográfico

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Por Simonetta Persichetti
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Desde a sua invenção, a fotografia está na área da iminência daquilo que está por vir, mesmo que algo já tenha acontecido. Tema desta 30.ª Bienal, A Iminência das Poéticas, se encaixa muito bem na gênese do fazer fotográfico e, talvez, por isso mesmo, essa arte tenha se tornado tão presente em todas as bienais e representações artísticas nas mais recentes décadas. Assim, também nesta próxima bienal, fotógrafos, fotógrafos artistas, e artistas que usam a fotografia estão presentes para ajudar a compreender e discutir o panorama da expressão contemporânea.Ironicamente, o grande destaque desta Bienal nos chega por intermédio de imagens de um profissional do início do século passado, o alemão August Sander (1876-1964), que no começo do século 20 decidiu criar uma enciclopédia sobre quem era o homem alemão. Foram mais de 600 registros sem o menor preconceito, das mais diversas escalas sociais, retrato de sua época. August Sander é um dos mais importantes nomes da área documental. Embora suas imagens à primeira vista possam parecer mero registro, ele também estava discutindo seu tempo e a temporalidade deste homem que encarnava atores e personagens diante de uma câmera. Inserido dentro da seara dos mestres da fotografia é sem dúvida a grande presença nesta área dentro da Bienal.O tempo intimamente ligado à ideia de iminência e de poética, um tema que anos depois continuaria a ser discutido e se tornaria primordial nas épocas da incertezas e do paradoxo do fragrante congelado de uma imagem fotográfica. Não à toa a fotografia está, mais uma vez, presente com muita força dentro da Bienal. E das mais variadas formas e estéticas, fugindo um pouco do conceitual e buscando mais a questão documental da imagem. Aliás, a imagem documental deixada de lado nos últimos 30 anos nos circuitos artísticos retorna com toda a sua força à plataforma das discussões, recuperando o que é intrínseco à imagem fotográfica. Assim, entre pessoas que trabalharam no século passado - e muitos ainda na época analógica - até os mais jovens, que já começaram na linguagem digital, parece que o que fica é que o discurso imagético se consolida cada vez mais e perguntas formuladas em outras épocas permanecem atuais. Mas se o discurso se torna cada vez mais importante na arte contemporânea, não é possível ignorar a poética que foi se construindo durante o século 20. Uma poética que busca sentido no cotidiano, na banalidade da vida. Podemos assim citar o trabalho do venezuelano Alfredo Cortina (1903-1988), que durante anos discutiu a noção de fotografia de paisagem, inserindo sempre um único personagem, a sua mulher. Ou o registro do cotidiano em imagens quase toscas do peruano Edi Hirose (1975), que capta a presença de imigrantes alemães e austríacos na região da selva peruana.Dentro da área do cotidiano encontramos o intrigante trabalho do alemão Horst Ademeit (1937-2010), que em meio a uma crise emocional tenta encontrar sentido no caos que o cercava. Munido de uma câmera Polaroid registrava seu cotidiano e depois fazia anotações obsessivas à margem das imagens. Cotidiano mais organizado registrado pelo também alemão Hans-Peter Feldmann que tenta colocar ordem no caos das coisas ordinárias. Dentro desta mesma poética de entender ou organizar o caos, o mexicano Iñaki Bonillas (1981) parte da fotografia documental e usa os métodos científicos de arquivos para justapor imagens e criar novas significações com uma nova forma de leitura ou edição. A mesma recriação feita pela canadense Moyra Davey (1958), que retrata a banalidade da vida doméstica. Dentre os brasileiros, o grande destaque é, sem dúvida, o paraense Alberto Bitar (1970), que explora as técnicas e o meio fotográfico retratando pessoas, paisagens e cidades como um mero instante fugidio, transformando o banal em memória. Vale ressaltar, ainda, o olhar voyeur do fluminense Alair Gomes (1921-1992) e sua busca pela beleza, em especial a masculina, nas praias cariocas, tendo como fonte as obras clássicas da pintura ocidental. Também cabe a uma brasileira, a paulista Sofia Borges (1984), a mais jovem artista desta Bienal, que ficou conhecida pela série de autorretratos - embora muito inspirada por artistas como as americanas Nan Goldin ou Cindy Sherman -, trazer para esta discussão a questão da manipulação da imagem que nos coloca diante da dúvida do que estamos vendo. Ironicamente, se desde os anos 1980, quando a fotografia se insere no mercado da arte, a discussão - mais que ultrapassada - se dava sobre a artisticidade da fotografia ou não, estamos assistindo nos últimos anos a uma retomada à essência fotográfica que é o valor documental. As imagens fotográficas desta Bienal parecem corroborar esta ideia.

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