Flávia Ribeiro faz esculturas de bronze

A artista abandona um pouco a gravura que lhe deu fama e mostra um conjunto de esculturas esféricas de bronze na Galeria André Millan

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Por Agencia Estado
Atualização:

A formação de Flávia Ribeiro é de gravurista. Apesar de ter abandonado um pouco essa técnica, ela sempre está presente em seus trabalhos, desde os desenhos até as peças de estanho fixadas na parede que mostrou em sua exposição anterior, em 1999, na Galeria André Millan. Agora, nessa mesma galeria, a artista apresenta, até o dia 19 de outubro, uma exposição inédita formada por um conjunto de esculturas esféricas de bronze. Pode-se dizer que o pensamento da gravura está presente no fato de a artista reproduzir os moldes das esferas, feitos à mão com gesso ou com cera, e fundi-los no bronze. Como conta, não foi ela quem os fundiu - do mesmo modo com que alguns gravadores não imprimem suas obras. Entretanto a artista plástica reforça que nem todas as esferas são reproduções dos moldes, algumas são originais e únicas. Mas ainda pode-se dizer que a gravura se faz presente no fato de que seu trabalho, como ela própria afirma, "sempre esteve no limite entre o bidimensional e o tridimensional", independentemente do material adotado. Agora, a novidade dessa exposição que inaugura é que sua obra foi "literalmente para o espaço", como brinca a artista. Chegam à tridimensionalidade. As esculturas de bronze com formas de esfera ocupam a galeria tendo apenas o chão como suporte. "É a primeira vez que minha obra se libertou da parede", afirma ela depois de passar três anos desenvolvendo essa nova série. A forma de esfera veio de uma frase - "Tudo o que é redondo convida à carícia" - e da idéia de que essa forma expressa "um movimento contínuo" e que incita nas pessoas a vontade de "passar a mão" na obra. Como Flávia ressalta, seu processo de criação é bem manual. Primeiramente ela faz as peças e somente depois as desenha, fotografa, ou até mesmo faz gravuras. "Não sou artista de projetos, mas artista da mão." No momento de se construir as esferas, é como se o movimento fosse de "mão impregnando a matéria", como explica, deixando, voluntariamente, formas irregulares. "A artista não quer a perfeição anônima das máquinas ou a utopia das formas ideais; quer sim, entes marcados pela passagem do ser que os promoveu a objetos de arte", escreve Paulo Sergio Duarte no texto do catálogo. Já o uso do bronze, paixão antiga da artista, é uma maneira de expressar seu costume de olhar a origem das coisas, desde a origem das palavras em latim até termos da ciência, filosofia e literatura. Apesar da passagem do tempo, a fundição do bronze é uma técnica antiga que se preservou artesanal. A vontade de trabalhar com esse material já vinha de longa data. Já tinha trabalhado com o estanho - "mais maleável" - na exposição anterior e, a contragosto, usou latão na obra que apresentou, em 1996, na 23.ª Bienal Internacional de São Paulo. Para contrastar com o bronze - que em algumas esferas recebe uma pátina escura e, em outras, está dourado -, Flávia Ribeiro usou pedaços de veludo cor-de-abóbora, maneira de remeter à linha e à cor. Como ela analisa, o veludo também é para remeter a um caráter mais sensual, da carícia, tecido que "esquenta o bronze". Por exemplo, é o que se pode ver na obra intitulada Lestia, um emaranhado de esferas em diversos tamanhos e faixas estreitas de veludo. Curiosamente, o título vem de um estudo sobre Pitágoras, que definia Lestia como corpos celestes que giram em torno de um fogo central. Já em outra obra Tríbola, o veludo se faz presente de forma mais tímida, apenas com uma fita, somente para dar um toque de cor à escultura pesada. Outro caráter desses novos trabalhos é que o tamanho das peças pode ser variável, seja pela junção de partes, seja colocando mais esferas nos conjuntos. "As peças são formadas por partes, como se fossem indivíduos numa multidão e que, quando se juntam, formam um corpo", diz Flávia. Funcionariam separadamente - "é a primeira exposição em que cada trabalho não precisa de outro para existir" -, mas ela preferiu colocá-los como multidões. É o que se pode ver na obra Linha Atômica Variável e até no denso conjunto de três esculturas intitulado Atômico, nomes que se referem a estruturas moleculares, ou seja, à ciência e ao orgânico. Antes, na trajetória de Flávia Ribeiro, as linhas saíam das paredes ou apareciam nos gravados e desenhos. Agora, elas se materializam no espaço. E a obra que mostra de forma mais radical esse processo é a chamada Catenária, formada por um esfera de 80 centímetros de diâmetro de onde sai uma linha que atravessa todo o espaço expositivo. O título quer dizer linha homogênea, pesada e frágil, suspensa por dois pontos de modo que fique sujeita à gravidade. De um lado do fio de bronze, a esfera maciça, de outro, a parede único trabalho que ainda não se desprendeu totalmente do suporte anterior usado pela artista. "Mas para mim, a parede, aqui, é só um limite imposto. Na minha cabeça, essa linha continua", diz, como se fosse para o infinito. "A grande esfera, que lança até a parede um longo tentáculo rígido e tenso redimensiona todo o espaço. Sua presença não se restringe aos limites de seu corpo", analisa Duarte nessa descrição que pode ser sentida em todas as outras novas obras da artista reunidas nessa exposição. Serviço - Flávia Ribeiro. De segunda a sexta, das 10 às 19 horas; sábado, das 10 às 17 horas. Galeria André Millan. Rua Rio Preto, 63, São Paulo, tel. 3062-5722. Até 19/10

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