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Filme quebra mito e mostra a autora como mãe e mulher

Por Roberta Pennafort/ Rio
Atualização:

"Clarice era como um pássaro, de tal maneira que era diferente de todos nós. E sendo diferente de todos nós, era igual a todos nós, pela condição humana", perfilou o poeta Lêdo Ivo (1924- 2012), que conviveu com Clarice Lispector (1920-1977) na revista Manchete, nos anos 70. Tentar vencer a densidade de sua personalidade ainda é tarefa tão tentadora quanto desvendar os enigmas guardados em seus textos. Rodado entre Rio e Recife, as cidades que a viram menina e adulta, o filme A Descoberta do Mundo Vai Nessa Direção, na busca pelas Clarices que maravilham a diretora Taciana Oliveira. "Colocaram a Clarice num pedestal. Quero quebrar esse mito, olhar para a mãe e a mulher", diz. Taciana é pernambucana, como dizia ser a autora ucraniana de nascimento, brasileira por vocação - "tinha grande obsessão pela felicidade", nas palavras de Lêdo Ivo no filme. Desde 2005, quando obteve autorização do filho dela, Paulo Gurgel Valente, para tocar o projeto, busca apoio para retratar Clarice em imagens documentais e ficcionais. Falta patrocínio. A parte documental custou R$ 200 mil (recursos levantados graças à Lei do Audiovisual de Pernambucano) e está pronta. Foram gravados depoimentos de Lêdo Ivo (uma de suas últimas entrevistas), Ferreira Gullar, Nélida Piñon, o cineasta Luiz Carlos Lacerda, seus amigos. Taciana filmou nos cantos de Clarice no Rio: o Leme, onde viveu, Largo do Boticário, Cosme Velho, Jardim Botânico, o parque de "ruídos serenos, cheiro de árvores, pequenas surpresas entre os cipós" que descrevia vivamente. No Recife, a câmera foi às duas casas do bairro Boa Vista por onde passou a Clarice criança - fez-se escritora desde que aprendeu a usar o lápis. "Se eu quisesse fazer um documentário, já dava para fazer", conta Taciana, cujo projeto está mais para um ensaio poético sobre a autora. Ela ainda precisa captar R$ 1 milhão e recrutar atrizes.Documentário e ficção também se misturam em De Corpo Inteiro, filme da sobrinha de Clarice Nicole Algranti de 2009. Nele, atrizes de diferentes gerações, mais ou menos parecidas fisicamente com ela (Beth Goulart, a Clarice magistral ainda em cartaz no teatro, Aracy Balabanian, que também encarnou a escritora no palco, 15 anos atrás, Silvia Buarque, Louise Cardoso, Leticia Spiller) se revezam entrevistando personalidades como Nelson Rodrigues, Jorge Amado e Fernando Sabino. A inspiração foi o livro Entrevistas (2003), em que são transcritas 42 conversas da Clarice entrevistadora para as revistas Manchete e Fatos & Fotos. Em A Descoberta do Mundo, o olhar é mais para dentro. Obras como Perto do Coração Selvagem, Água Viva e A Paixão Segundo G.H. aparecem em citações, tanto em palavras quanto em imagens. Revelam a menina que amava ler; a jovem mulher do diplomata Maury Gurgel Valente; a escritora madura, mãe superpresente de dois meninos, colaboradora de diversas publicações, cuja vida é marcada pelo incêndio em casa provocado por um cigarro aceso, em 1966. A Clarice tímida-ousada, que só se sentia viva quando escrevia. "É curioso pensar que esse fenômeno editorial um dia enfrentou percalços para publicar, mas esse nível de repercussão de hoje só teve depois que morreu", lembra Taciana.

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