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Filme que lançou Tarantino sai em DVD

Com Cães de Aluguel, que chega às locadoras em versão digital, o diretor arrebatou o mundo do cinema, no início dos anos 90. Filme mostra sua poderosa direção de cena, que ele mais tarde poria a perder, ao optar por produções banais

Por Agencia Estado
Atualização:

Era o que havia de mais excitante no cinema americano, no começo dos anos 1990. Após uma década de falsificações e simulacros pós-modernos, Quentin Tarantino irrompeu nas telas com todo força, primeiro com Cães de Aluguel, que anunciou o que parece que seria uma revolução, e logo com Tempo de Violência (Pulp Fiction), tão impactante que ganhou a Palma de Ouro em Cannes, à l´unanimité, como dizem os franceses. Tarantino foi chamado, sucessivamente, de novo Sam Peckinpah e novo Martin Scorsese. O novo não era tão novo, era velho, descobriu-se a seguir, quando Tarantino se uniu ao texano-mexicano Robert Rodriguez para mais bobagens do que comporta a carreira de qualquer autor que se preze. É tempo de lembrar como Tarantino foi bom. Cães de Aluguel foi lançado em DVD com tudo o que os fãs tem direito. Making of, entrevistas, trailer, filmografias. É uma edição de colecionador, para lembrar os dez anos de lançamento do filme, em 1992. Não havia quase ninguém na coletiva de Tarantino, logo após a exibição de Cães de Aluguel, em Cannes. Um punhadinho de gatos pingados que mal enchiam uma fileira de poltronas na primeira fila. Anos mais tarde, quando Tarantino voltou a Cannes com Pulp Fiction, sua entrevista foi concorridíssima. Havia tanta gente querendo ver Pulp Fiction que houve duas sessões para a imprensa e, mesmo assim, muitos críticos e jornalistas de todo o mundo protestaram por ficar de fora. Pulp Fiction. A literatura barata foi uma das fontes de formação de Tarantino, com os milhares filmes que ele assegura ter visto na televisão e no vídeo, quando trabalhava numa locadora. E não apenas o cinema. Um filme como Cães de Aluguel é permeado de referências à cultura popular. O título original é Reservoir Dogs. "Reservoir", em inglês, indica um lugar onde cães e gatos ficam encurralados. É uma metáfora da cilada. O filme começa após uma tentativa de assalto que não deu certo. O plano saiu errado, o grupo reúne-se num hangar para avaliar a situação. São todos homens de preto, vestidos de terno e gravata, verdadeiros profissionais do crime. Não possuem nomes ou atendem só por nomes de guerra, tipo Mr. White e Mr. Brown. Os assaltantes foram contratados por um chefão cuja identidade desconhecem. Acham que há um traidor entre eles. O confronto é inevitável. Tarantino declarou mais de uma vez que é fã dos gêneros tradicionais de Hollywood, mas nunca pensou em fazer, por exemplo, um filme de gângsteres clássico. Se não fosse pedante, ele disse em São Paulo, ao participar da Mostra Internacional de Cinema de 1992, que seu objetivo é (ou era, na época) subverter, desde o interior, os códigos desse cinema clássico. Um filme como Cães de Aluguel teatraliza a ação e ainda americaniza imagens fortes (emblemáticas?) de um cineasta de Hong Kong que o público brasileiro ainda não conhecia e depois tomou de assalto as telas de todo o mundo, a partir de Hollywood. John Woo adora essas cenas de homens que puxam da pistola e apontam as armas uns para a cabeça dos outros. Mas o que era novo, e excitante, era a disposição do diretor de apresentar seus personagens como seres humanos, em toda a sua glória (e fraqueza). Outros autores fizeram isso antes de Tarantino. O cinema de Hollywood sempre teve uma atração pela figura do marginal encurralado. Ele foi personagem de filmes de Raoul Walsh, Nicholas Ray, Samuel Fuller, Sam Peckinpah, Martin Scorsese, todos autores que Tarantino admira. Os gângsteres de Cães de Aluguel e, depois, os de Tempo de Violência, fazem coisas escabrosas. Fazem, mas não falam de crimes, ou pelo menos não falam o tempo todo. Eles conversam sobre o que todo mundo conversa, sobre os signos da cultura popular americana: Madonna, McDonald´s, gorjetas, os pequenos detalhes do cotidiano. Há momentos em que essas figuras revelam grande humanidade. Há cenas de crueldade, mas não são gratuitas. Fazem parte do comportamento dessas pessoas, junto com dignidade, lealdade, traição. O problema ocorreu a partir da associação de Tarantino com Rodriguez. Ele banalizou a violência em vulgares filmes de gêneros como os da série From Dusk Till Down. Tarantino pôs a perder sua direção de cena poderosa. Apequenou-se. Há anos que não trabalha com o filme que poderá colocá-lo de novo na sela, a galope para o (re)reconhecimento do seu talento. Os fãs de Cães de Aluguel e Tempo de Violência não sonham com outra coisa.

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