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''Ficou mais difícil manter a integridade''

Ex-líder do Supertramp fala da redescoberta das canções do grupo por gente como Brad Mehldau e dos novos show e disco

Por Jotabê Medeiros
Atualização:

 

Poucos gêneros sofreram tanto preconceito na música quanto o soft rock dos anos 80. Os fãs do "rock de macho" simulavam náuseas só de ouvir falar em artistas como Toto, America, Jackson Browne, Don Henley e o inefável Supertramp. O público, os elevadores e os consultórios de dentistas, por sua vez, adoravam.

Alguns deles começaram a cavar sua redenção ainda nos anos 90, como o Supertramp. O último lustro no prestígio recuperado foi dado quando o enfant terrible do piano, Brad Mehldau, gravou Logical Song, verdadeiro hino do prog-rock oitentista.

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Responsável por 29 dos 31 megassucessos do Supertramp, o cantor, compositor e guitarrista Roger Hodgson está de volta ao Brasil, onde já esteve três vezes. É raríssimo um músico que pode fazer um show de até quatro horas tocando um sucesso atrás do outro, e esse homem pode. Hodgson falou ao Estado por telefone, de Buenos Aires. Diz-se um vegetariano um tanto culpado, pois come peixe e frango. E conta que acaba de se divorciar, que a banda que traz desta vez ao País é totalmente diferente da última, há dois anos, e está compondo um disco de inéditas, das quais pelo menos uma pode entrar no repertório.

Como você vê esse revival do Supertramp, que durante muitos anos foi visto como muzak, música ambiente?

Acho que isso prova que a música do Supertramp passou pelo teste do tempo. E tenho a impressão que isso aconteceu porque elas vieram de algum lugar do meu coração. Nunca tive a intenção de provar nada ao mundo, apenas escrever o que sentia.

Há também uma revalorização do canto no rock, coisa que desde o punk rock não era mais levada em conta. Hoje em dia, temos ótimos intérpretes, como Antony, do Antony and the Johnsons.

Não sei por que não há mais tantos cantores consistentes. Deveria haver. Talvez porque os artistas hoje estejam muito ocupados copiando os outros, não sei. Há também o fato de que, nos anos 1970 e 1980, os artistas estavam muito preocupados em explorar territórios, em ser originais, em buscar a própria música. A motivação é diferente, hoje estão muito mais preocupados com a sobrevivência, e naquela época, ao menos nós no Supertramp, tínhamos uma companhia de discos que nos dava grande suporte, que se mostrava disposta a esperar por nossa pesquisa, nosso amadurecimento. Eles sabiam que a banda tinham potencial. Hoje, as companhias de discos lutam para não fechar, e os jovens artistas têm pouco espaço para desenvolver um estilo. É mais difícil manter a integridade.

Você fez discos-solo muito elogiados pela crítica, como Hai Hai. Esses discos nunca conseguiram um décimo do sucesso que o Supertramp teve como banda.

Muita coisa mudou quando deixei o Supertramp, após 14 anos no grupo. Quando larguei a banda, minha prioridade era criar meus filhos. A música se tornou algo secundário. E música não é mágica, tem que trabalhar duro. Deixei Los Angeles e fui para as montanhas do norte da Califórnia. Meu foco não era mais construir uma carreira. E meus discos-solo, quando voltei, nunca tiveram supersingles, aquelas músicas que funcionam como carro-chefe do álbum.

Você não crê que perdeu o toque especial que tinha na banda?

Não. Na verdade, acho que perdi o toque por alguns anos. Hoje, acredito que estou compondo tão boas canções quanto antes. Está até mais fácil agora.

Na história da música, há alguns raros momentos que parecem miraculosos, como a reunião dos Beatles, dos Stones, dos Beach Boys. Você não acha que o Supertramp foi um desses momentos, que são irrepetíveis?

Concordo. Eu e Ray (Davies, colíder do Supertramp) formamos uma combinação muito interessante. Éramos opostos, o yin e o yang. Fico muito feliz com o que realizamos juntos, mas não sinto falta. Estou mais velho, mais sábio, mais confiante hoje. Às vezes, uma banda é como um casamento que, quando acaba, não é mais possível reviver nenhum dos bons momentos.

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