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Pequenas neuroses contemporâneas

Opinião|Fica a dica

Qual a onda do futuro? Clube de Tiro. Não precisamos nem apresentar as justificativas. Ficará muito rico aquele que investir em clube de tiro misturado com um paintball... temático! Pronto, falei

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Atualização:

A carona foi minha aliada na graduação. Unicamp fica fora de Campinas. Eu conhecia as esquinas em que estudantes se postavam em busca de uma. A Rua Carolina Florência, em que morei, era rota obrigatória de professores e alunos com carro que para lá se dirigiam pela Rodovia Professor Zeferino Vaz (emérito fundador da universidade).

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Apesar de Hegel ter sempre exaltado o altruísmo da Humanidade, que a distinguiria dos animais, nem todos davam carona aos estudantes e professores ‘sem-carro’ que esperavam na esquina com a Avenida Imperatriz Leopoldina. Único dever do caronista: ter talento para uma prosa leve sem partido de 20 minutos; quem dá carona está aberto a um blablablá.

Me mudei para a USP, e lá estava na Praça Rubião Meira pela saída da universidade, Portão 1, o conglomerado de estudantes pedindo carona. Dessa vez, do outro lado, ‘com-carro’, eu parava na maioria das vezes.

Foi então que imaginei uma rede via e-mail de carona. Depois, um site. Por fim, um aplicativo. Aprendi nos anos 1970 a linguagem Pascal, de programação de computadores; era dos cartões perfurados. E, sim, tive noções do DOS, especialmente para acentuar os primeiros PCs (lembram-se do kbbr?). Não sei como fazer um aplicativo.

Oferecia minha ideia a amigos e parentes jovens. Todos diziam o mesmo: tá maluco, quem vai aceitar a carona de um desconhecido, e vice-versa? Mas alguém fez o BlaBlaCar. Hoje, uma viagem ao Rio pelo aplicativo de carona sai por R$ 60. São Paulo a Campinas, R$ 15. 

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Até Garrett Camp e Travis Kalanick, de São Francisco, claro, pioneiros no conceito de E-hailing, fundarem em 2009 a Uber Technologies Inc. Que meus amigos “entendidos” me chamavam de maluco, mas o usam e abusam.

Eu usava uma vez por mês os serviços de uma empresa de motoboys. Um dia, decidiram não me atender mais, porque eu usava apenas uma vez por mês os seus serviços, e eles passaram a trabalhar para empresas maiores.

Como alguém despreza meu dinheiro suado? Ultrajado, pensei em me vingar. Faria um aplicativo que pegaria o primeiro boy da redondeza, para fazer entregas. Mas meus amigos diziam: e você vai entregar um documento de valor a um motoqueiro desconhecido?!

Três colombianos, Felipe Villamarin, Sebastián Mejía e Simón Borrero, tiveram a mesma ideia e fundaram a Rappi em 2015. Um francês, Fabien Mendez, no mesmo ano, fundou a Loggi no Brasil. Eu não fundei coisa alguma. Só tenho boas ideias, que amigos me demovem.

Então, lá vai. Mais uma boa ideia, que tive com a amiga L, jornalista como eu preocupada com os rumos do nosso ramo, cujo falecimento foi decretado por aqueles amigos entendidos, enquanto resistimos bravamente e nos reinventamos.

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Qual a onda do futuro? Clube de Tiro. Não precisamos nem apresentar as justificativas. Ficará muito rico aquele que investir em clube de tiro misturado com um paintball... temático! Pronto, falei. 

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Desarme os preconceitos, Afinal, esse negócio é para quem está antenado com o ideal extremista em voga e a nova mania, a do ódio.

Dúvida: devemos focar no público de extrema-direita, direita, ou será um clube sem partido de tiro? Certeza: cada dia, um tema.

1. Às segundas-feiras, seja um Seal e mate Osama. Pratique tiros contra alvos fantasiados de guerrilheiros da Al-Qaeda e Taleban. Nossa secretária atenderá vestida de burca azul. Será complicado escutar dela, depois de dar o cartão, se será débito ou crédito, se quer CPF na nota e sua via. Sugestão: pagamento em dólar. Forjaremos um ar abafado, seco, com poeira no ambiente. O bunker de Osama será montado. A trilha, rock pesado. Se conseguirmos alugar um camelo... Cerveja será vendida. Receio: enaltecer uma islamofobia que saia do cenário (e contexto).

2. Às terças, o contrário: faça parte do Estado Islâmico. Pratique sua jihad e ódio aos impérios americano e russo. Nada de bebida alcoólica por perto, apenas chás e cafés. Narguilés espalhados. Será uma noite das arábias, com muita dança do ventre, batuque. Na entrada, ganha-se um turbante. Prioridade para o treinamento com AK-47. Uma bandeira americana será queimada no final. A secretária é a mesma, de burca preta.

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3. Às quartas, sinta-se na Segunda Guerra e mate nazistas. Você poderá se fantasiar de solado aliado ou da Resistência, com uma boina. Terá direito a atirar em alto-falantes que só tocam Lili Marlene. Na entrada, um militar furioso e arrogante da SS só falará em alemão, receberá os clientes aos gritos, dará ordens para entrarem em filas. Só “débito ou crédito”, “quer CPF na nota” e “quer sua via” serão as únicas palavras ditas em português. Fãs de Bastardos Inglórios (Tarantino) são um nicho em potencial. O bunker de Hitler será reproduzido, para quem passar à fase 2.

4. Às quintas, mate comunas. Só entram aqueles com camisa verde-amarela da Seleção. Figurino vermelho? Banido. De repente, escuta-se ao longe a Internacional cantada em castelhano por um coro, a luz do ambiente fica avermelhada. Milícias bolivarianas treinadas por cubanos aparecem à frente. Abra fogo. Pensamentos de Olavo de Carvalho são pronunciados pelos alto-falantes. Ala direitista do rock brasileiro toca no máximo volume. Um capitão do Exército brasileiro será o host, perguntará “crédito ou débito?”.

5. Às sextas, Elite da Tropa. Na entrada, um sujeito armado vende trouxinhas de pó branco e erva verde. Então, um dublê de Capitão Nascimento entra, dá tapas nos rostos dos convidados e grita: “Pede pra sair! Pede pra sair!”. Rifles automáticos são distribuídos. “Caveira” é o grito que todos dão, antes de iniciarem o treinamento. Na saída, descobre-se que o pó branco é maria-mole, e o verde, brigadeiro de pistache.

6. Aos sábados, dia de faturar e de gastar pagando royalties a franquias. Matinê, Guerra nas Estrelas. Será para praticar tiros e esgrima. À noite, Os Vingadores. Cada um escolhe seu personagem.

7. Domingo, dia santo, dia de culto, a casa fica fechada. 

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Opinião por Marcelo Rubens Paiva
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